Há alternativas ao aumento da tarifa de ônibus

Em um país com a inflação a 10%, 13 milhões de desempregados e mais de 20 milhões de pessoas passando fome, aumentar o valor da tarifa significa aprofundar brutalmente a desigualdade social

Manifestante segurando cartaz contra o aumento da tarifa do transporte público I Foto: Reprodução

Por todo o Brasil, as prefeituras estão anunciando aumento da tarifa de ônibus. As justificativas são a alta no preço do combustível e outros impactos financeiros causados pela pandemia, como a queda no número de passageiros. É preciso ficar claro: essa não é a única alternativa para resolver a crise no transporte coletivo, que já existe há anos. Há outros caminhos, e o usuário do sistema não pode ser o único a pagar pelo prejuízo da má gestão e dos contratos de concessão mal elaborados.

Em um país com a inflação a 10%, 13 milhões de desempregados e mais de 20 milhões de pessoas passando fome, aumentar o valor da tarifa significa aprofundar brutalmente a desigualdade social. A maioria dos usuários do transporte integra a parcela mais vulnerável da população, mas são eles que financiam o sistema, pagando a tarifa.

A mobilidade é um direito constitucional e dá acesso a outros direitos, como saúde, educação, lazer e trabalho. Ela é importante para todo mundo, inclusive para quem só se locomove de carro. Por que, então, não dividir esse custo?

Em dezembro de 2020, o governo federal vetou o auxílio emergencial ao setor de transportes urbanos. Com a situação se agravando, diversas cidades concederam subsídios às empresas operadoras, para manter seus sistemas em funcionamento.

O subsídio é uma medida socialmente justa, cuja função deve ser custear todo o sistema, ou parte dele, de maneira a reduzir o preço pago pelo usuário. Porém, os que foram concedidos na pandemia apresentam 2 problemas. Um é de transparência: em muitos casos, valores não foram divulgados e não houve estudos públicos embasando o investimento. O outro é de contrapartidas. Não basta repassar dinheiro às empresas sem saber como será usado. É fundamental exigir melhorias na qualidade do serviço.

Passageiros ficam pelo caminho após ônibus quebrar em Santa Bárbara do Pará I Foto: Estrada de Mosqueiro

Atualmente, não há controle público sobre os custos e lucros das empresas operadoras. Portanto, se elas dizem que estão no prejuízo, não temos como ter certeza, pois não há transparência. O modelo de negócio que vigora é o de remuneração por passageiro, no qual a redução da qualidade, com corte de linhas e viagens, é uma maneira de reduzir custos e ampliar a margem de lucro. A diminuição de passageiros aumenta a pressão por reajuste de tarifa, o que, por sua vez, expulsa ainda mais gente do sistema. Essa lógica precisa ser quebrada.

O 1º passo para isso é rever os contratos de concessão: torná-los mais curtos e separados para frota e operação; remunerar as empresas pelo custo do sistema e pelo serviço prestado com qualidade, e não pelo número de passageiros; buscar fontes alternativas de financiamento; e abrir espaço para mais participação social, para discutir as necessidades de quem, de fato, usa o sistema. O governo federal também deve contribuir com um orçamento para financiar a mobilidade, atrelado a novas diretrizes de gestão e transparência.

Modelos como esse já existem em cidades próximas, como Santiago do Chile e Bogotá, na Colômbia. A cidade do Rio de Janeiro também tem avançado muito. Lá se está fazendo contratos separados para frota e operação, financiando o aluguel de novos veículos e criando garagens públicas, o que aumenta a competitividade e reduz o monopólio das empresas.

Há muitas alternativas para repensar a mobilidade. Não será mais um aumento abusivo que vai melhorar a condição do transporte coletivo. Precisamos de novas fontes de financiamento, formas radicalmente diferentes de gestão, participação e controle social.

Não é tão distante assim, já está acontecendo em outros lugares. Com vontade política, a mobilidade pode se tornar um fator central nas políticas públicas para a democratização das nossas cidades.

Fonte: Poder 360

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