Evasão escolar dispara 171% com bolsonarismo e pandemia

Sem apoio da gestão Bolsonaro, governos estaduais oferecem programas de auxílio financeiro e até mesmo merenda reforçada para manter os alunos em sala de aula

A evasão escolar disparou no Brasil sob o governo Jair Bolsonaro – e a tendência de abandono dos estudos se agravou com a pandemia de Covid-19. Conforme levantamento do movimento Todos Pela Educação, cerca de 244 mil estudantes de 6 a 14 anos estavam fora das escolas brasileiras no segundo trimestre deste ano. É um aumento de nada menos que 171% na comparação com o segundo trimestre de 2019.

Esse movimento pode fazer o País retroceder quase 20 anos nos indicadores da área, aponta Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária). Desde 1987, a entidade atua contra a redução de desigualdades no acesso à educação. Estudo feito pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em parceria com o Cenpec, mostrou que o número de alunos sem acesso à escola no Brasil aumentou de 1,1 milhão em 2019 para 5,1 milhões no ano passado – primeiro ano da pandemia e segundo da gestão bolsonarista.

Os estados não contam com ajuda nenhuma do governo federal para tentar combater a evasão. Alguns governos estaduais oferecem programas de auxílio financeiro e até mesmo merenda reforçada para manter os alunos em sala de aula. Em cinco estados, a ajuda financeira funciona de maneira semelhante ao Bolsa Família.

Na Bahia, a estudante Aline Jesus dos Santos acaba de concluir o ensino médio. Segundo ela, seu feito só foi possível depois de receber R$ 150 por mês oferecidos pelo governo Rui Costa (PT-BA). É a chamada de Bolsa Presença. “Muitas vezes, pensei em desistir. Mas tenho um foco e objetivo que é fazer meu curso de enfermagem”, conta Aline. “Fiz uns bicos e, com o benefício, consegui continuar na escola.”

Além dessa bolsa, desde março os alunos da rede estadual baiana passaram a contar com o projeto Mais Estudo, que destina R$ 100 por mês para estudantes monitores, que auxiliam outros alunos. E também com uma merenda extra. Aline – que estudava à noite – passou a tomar café da tarde na escola, além do jantar. “Quando não era café da tarde, eles ofereciam uma fruta”, disse. Para que o aluno receba um valor oferecido pelo governo, ele precisa estar matriculado e ter uma frequência mínima na escola.

Também no Nordeste, o estado de Alagoas lançou programas diferentes para atrair os jovens para a escola. Um deles vai oferecer bolsa de R$ 100 por mês para alunos do ensino médio e da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que tiverem no mínimo 80% ou mais de presença nas aulas. Quem concluir o ensino médio também vai receber uma bolsa de R$ 2 mil.

“É importante ressaltar que uma medida sozinha não é suficiente. O que vai surtir efeito é uma combinação de ações – auxílio financeiro, campanhas de comunicação e mobilização das escolas para engajar esse aluno”, analisa Anna Helena, do Cenpec. “Precisamos de estratégias articuladas para ter um resultado efetivo.”

Em Pernambuco, há bolsas para monitores. O valor é de R$ 800 para quem já se formou e de R$ 200 para quem está no 9º ano ou na última série do ensino médio. Segundo Anna, iniciativas que envolvem diferentes áreas, como renda, comunicação e saúde, são essenciais. O perfil médio de quem abandona os estudos é de um aluno mais pobre, negro, indígena ou com deficiência. “A evasão por si já preocupa, mas vemos que os marcadores de classe econômica, raça e até mesmo território são evidentes”, afirma.

Para a presidente do Cenpec, o MEC (Ministério da Educação) precisa assumir seu papel de coordenação da política educacional. “Não vimos nenhuma iniciativa relevante. Pelo contrário, vivenciamos uma confusão no Enem, dificuldade para conseguir isenção. Faltou uma campanha de motivação para fazer o exame, por exemplo”, avalia.

Estados mais ricos, como São Paulo e Rio de Janeiro, também têm estruturado programas com foco na renda dos pais de alunos para evitar a evasão escolar. Como contrapartida, as famílias devem colaborar com o cumprimento dos protocolos sanitários nas escolas ou ajudar na busca ativa de alunos que correm o risco de abandonar os estudos.

A busca ativa é a principal iniciativa no Distrito Federal e em outros sete estados. Nesses casos, as escolas costumam entrar em contato por telefone, redes sociais e até mesmo indo até as casas dos alunos que abandonaram os estudos.

O Piauí, por exemplo, tem um painel de monitoramento com dados sobre o acesso dos alunos às aulas remotas. “As escolas sabem quais alunos não tiveram acesso e podem traçar estratégias para resgatá-los”, explica a Secretaria de Educação. A maioria desses estados faz parte do programa “Busca Ativa Escolar”, desenvolvido pelo Unicef, que auxilia gestões locais no combate à evasão escolar.

Com informações do UOL