Haddad: Limbo jurídico que Bolsonaro põe Prouni favorece “pilantropia”

O ex-ministro da Educação diz que mudanças no programa de bolsas para alunos de baixa renda vão na direção contrária do espírito do Prouni.

Foto: divulgação de campanha eleitoral

Criador do Programa Universidade para Todos (Prouni), o ex-ministro da Educação Fernando Haddad surpreendeu-se com as mudanças repentinas promovidas por Bolsonaro no programa. “Primeiro, que não poderia ter sido feito por Medida Provisória [MP], porque não há nenhuma urgência nisso. [O Prouni] É um programa consolidado, há mais de 15 anos”, criticou ele em entrevista ao portal Vermelho.

Para além do sentido excludente que a MP apresenta, conforme criticam entidades estudantis, Haddad apontou um outro risco grave das novas mudanças. “Segundo, que elas [as mudanças] vão na direção contrária do espírito do programa, que é focar no aluno de escola pública de baixa renda, e impedir instituições filantrópicas de fraudarem os benefícios fiscais de que gozam”, explicou. 

Para ele, as medidas do ministro Milton Ribeiro criam um limbo jurídico que desfavorece a fiscalização, permitindo fraudes que não eram possíveis antes. “Enfraquece os controles; permite que quem não precisa de bolsa tenha acesso a ela; abre espaço para a volta do que se chamava de ‘pilantropia’, que é usar a filantropia como fachada para o enriquecimento pessoal. Está dentro do quadro geral do bolsonarismo”, pontua Haddad.

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O ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo refere-se a instituições educacionais privadas de cunho religioso e filantrópico que gozam de benefícios fiscais conforme ofereçam bolsas. São amplamente conhecidos os casos de investigações que apontavam esse esquema como uma forma de lavagem de dinheiro e fraude contra a receita pública.

Haddad ainda é cauteloso em relação aos efeitos que as medidas terão sobre a inclusão educacional e a gestão de instituições filantrópicas. “Não dá pra ter ideia da dimensão do que está em risco, porque nós não sabemos ainda quais as instituições vão se beneficiar do limbo jurídico que ele criou em relação a filantropia”, afirma. 

A crítica mais comum à MP, no entanto, diz respeito ao modo como o governo Bolsonaro atua para impedir a entrada de estudantes pobres na universidade. Bolsonaro ampliou o acesso de estudantes vindos de escolas particulares ao Prouni. Passam a ter acesso ao programa alunos que fizeram o “ensino médio completo em instituição privada, na condição de bolsista parcial da respectiva instituição, ou sem a condição de bolsista”.

“No que diz respeito a alunos de escola privada pagantes no Prouni, se a MP não for barrada, o tempo vai dizer se vamos ter um deslocamento do público alvo do Prouni para uma população que não era seu objetivo primordial”, sugere ele. Ele acredita que não existe programa que não possa ser aperfeiçoado. “O problema é a direção errada da proposta do Bolsonaro”.

Quando Haddad diz que não se trata de uma urgência o debate sobre o Prouni, ele ressalta o fato de haver assuntos educacionais graves a serem tratados nesse ambiente pós-pandêmico que se aproxima. “Estamos numa situação pós-pandêmica de enorme gravidade, porque um percentual não desprezível da população, não teve acesso à educação durante dois anos. Isso vai ter repercussões terríveis para o sistema educacional. E contra o que o governo não fez absolutamente nada”, atacou. 

Desmonte das bolsas

Através da MP, Bolsonaro facilitou o acesso de estudantes de escolas particulares a bolsas do Prouni, o que não era permitido antes, pois o programa visava atender preferencialmente alunos de baixa renda de escolas públicas. Passam a ter acesso ao programa alunos que fizeram o “ensino médio completo em instituição privada, na condição de bolsista parcial da respectiva instituição, ou sem a condição de bolsista”.

O Ministério da Educação (MEC) poderá ainda dispensar a apresentação de documentação que comprove a renda familiar mensal do estudante e a situação de pessoa com deficiência, “desde que a informação possa ser obtida por meio de acesso a bancos de dados de órgãos governamentais”.

Até então, para concorrer a uma bolsa de ensino superior em alguma instituição privada do Brasil, o estudante deveria ter renda familiar de até três salários mínimos por pessoa e não possuir diploma de ensino superior.

Os porcentuais de vagas destinadas aos cidadãos autodeclarados indígenas, pardos ou pretos, e a pessoas com deficiência seguem equivalentes ao último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).