“O garimpo no Amazonas foi incentivado pelo governo”, diz líder de cooperativa

Para Tânia Oliveira Sena, vice-presidente da Cooperativa de Garimpeiros da Amazônia (Coogam), ex-governadores como Eduardo Braga e Omar Aziz incentivaram a atividade no rio Madeira

Balsas do garimpo no rio Madeira (Foto: Bruno Kelly/Greenpeace)

Tânia Oliveira Sena évice-presidente da Cooperativa de Garimpeiros da Amazônia (Coogam), organização que há 28 anos controla a mineração ilegal no rio Madeira, no Amazonas. Filha do fundador da Coogam, o garimpeiro Geomario Leitão de Sena, ela mudou o tom de voz e ficou ríspida ao ser procurada pela Amazônia Real. “Não tenho interesse em dar entrevista para site sensacionalista, que quer ganhar mídia usando o meu nome e denegrindo a imagem do garimpeiro ao vinculá-lo com o PCC e o tráfico de drogas”, respondeu Tânia nesta segunda-feira (29), deixando claro que ela leu reportagens publicadas pela agência sobre a mineração. “Não te autorizo a publicar nada, a respeito da Coogam, a respeito da gente.”

Mesmo “braba” com a imprensa, como ela afirmou ao telefone, Tânia Sena logo voltou atrás e propôs uma trégua. “Se quiser fazer uma reportagem sobre o garimpo vem aqui que eu te levo. E eu te mostro o que é o garimpo e quem é a cooperativa. Com todo prazer do mundo, mas não venha me usar pra ganhar mídia”, alertou.

Na curta entrevista que concedeu à Amazônia Real, a vice-presidente da Coogam explicou como vê a explosão de garimpeiros na foz do rio Madeira, que levou a população ribeirinha a denunciar os impactos socioambientais de mais de 300 balsas no entorno da comunidade Rosarinho, no município de Autazes (a 111 KM de Manaus), no Amazonas. Em duas semanas, cerca de 1,8 mil garimpeiros correram para o município em busca de ouro extraído no leito do rio e por pouco não interditaram o Madeira, com o alinhamento das balsas. 

No último fim de semana, a Polícia Federal (PF) destruiu 69 das 300 balsas que estavam no rio Madeira, em Autazes. Boa parte delas estava abandonada, enquanto que a maioria já tinha se deslocado conforme a notícia se espalhou por todo o mundo. Mas antes da operação, a maioria dos garimpeiros fugiu do local para não ter prejuízos. Segundo apurou a reportagem, em média cada balsa custa no mínimo R$ 50 mil, o que significa um alto investimento na mineração que pode ultrapassar R$ 15 milhões só em equipamento; fora a mão de obra especializa, como mergulhadores profissionais.

O próprio vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, chegou a antecipar, na quinta-feira (25), que a PF e a Marinha iriam realizar uma operação no rio, dispersando os garimpeiros. Nesta segunda-feira, o ministro Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) afirmou que no total 131 balsas foram apreendidas e destruídas na operação. 

A Coogam foi fundada por um grupo de 65 garimpeiros que atuavam, no início dos anos 1990, nos estados do Amazonas, Rondônia, Pará e Mato Grosso. A cooperativa informa em seu site que possui 108 requerimentos de Permissão de Lavra garimpeira na Amazônia. Garante que 25 deles foram outorgadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), distribuídas nos municípios de Jutaí, Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã, Borba e São Paulo de Olivença no Amazonas, nos municípios de Jacareacanga e Itaituba, no Pará e nos municípios de Nova Mamoré e Porto Velho, em Rondônia.

Na entrevista a seguir, Tânia Sena relaciona a atividade garimpeira no rio Madeira ao incentivo dado por políticos como Eduardo Braga (MDB) e Omar Aziz (PSD), que já governaram o estado do Amazonas e hoje são senadores. Aziz presidiu a CPI da Pandemia. Mas omitiu o nome do também ex-governador Amazonino Mendes (Podemos), que em 2017 aparecia ao lado de seu pai, Geomario, mesmo época em que liberava a concessão de Licenças de Operação Ambiental para os garimpeiros, conforme noticiou a Amazônia Real. A vice-presidente da Coogam afirmou que está pronta, se for chamada, para apresentar a sua versão dos fatos para as autoridades.

A vice-presidente da Coogam, Tânia Oliveira Sena I Foto: Reprodução/Facebook

Amazônia Real – Quem é a Coogam?

Tânia Sena – Eu posso adiantar que a cooperativa dos garimpeiros da Amazônia está atuando desde 1994. É a maior cooperativa da região Norte. Nós temos áreas no Amazonas, no Pará e em Rondônia. Trabalhamos com o garimpo sempre legalizado e tentamos legalizar o máximo de áreas possíveis para o garimpeiro. Não temos nenhuma multa por crime ambiental ou por degradação ambiental. Nada disso. 

Amazônia Real – O que tem a dizer sobre a contaminação do mercúrio no rio Madeira?

Tânia – Temos dados para mostrar que o Rio Madeira não tem contaminação de mercúrio. Pelo contrário, ele está abaixo dos níveis permitidos. 

Amazônia Real – E por que há interesse de fora pelo ouro do Madeira?

Tânia – Há quantos anos existe aquele garimpo lá? Pelo menos 30, 40 anos. A pergunta é: por que será que agora os olhos estão voltados para lá? Porque o ouro que existe no rio Madeira, na região amazônica, ele interessa fora do Brasil. Infelizmente quem manda nessas coisas hoje em dia é quem está fora do Brasil. Ninguém está interessado em preservar a floresta amazônica. Eles estão interessados em tirar o nosso ouro. Se o garimpo lá está legal ou ilegal, por que vocês não perguntaram para o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) se tem alguma draga da cooperativa lá? Porque se tiver, você me aponta.

Amazônia Real – E tem?

Tânia – Quem está trabalhando lá? Porque na foto do site de vocês é tudo balsa. Essas balsas são de sobrevivência dos ribeirinhos. Vai lá, por que vocês não vão lá? Vai lá e pergunta: ‘Ei, fulano, a balsa sua que tocaram fogo faz o quê?’ E ele vai te responder: não, moro aqui na comunidade tal, e trabalho com garimpo há 40 anos’. Ali não tem draga, nessa foto que está estampada no site de vocês. Tem balsa. Balsa eles usam para sobrevivência.

Amazônia Real – O garimpo foi incentivado pelo governo do Amazonas?

Tânia – Já foi nos governos Eduardo Braga e Omar Aziz, um motivo de na época eles terem feito uma campanha. O governo do Estado do Amazonas incentivou a legalização daquela área. Para ajudar os ribeirinhos, garimpeiros, extrativistas e familiares. Então, antes de vir me entrevistar você vai pesquisar. De onde vem a história do garimpo? O garimpo no Amazonas foi incentivado pelo governo. Lá não tem nenhuma balsa da cooperativa. A cooperativa não tem balsa que trabalha lá. 

Amazônia Real – Então vocês não estão atuando no Rio Madeira? 

Tânia – Eu não vou te dizer isso, você sabe por quê? Porque a matéria que você vai publicar daqui a pouco será: ‘Coogam fala que não tem responsabilidade com garimpo ilegal’. 

Amazônia Real – Mas aí não seria bom para a imagem da cooperativa? 

Tânia – Não. Não é bom! Sabe por quê? Porque eu não vou queimar minha classe. Eu não tenho satisfação a dar. No dia em que o Ministério Público me chamar, o governo me chamar, a polícia me chamar e perguntarem, vou esclarecer pra quem eu tiver que esclarecer. Não tenho interesse em denegrir imagem de garimpeiro. Você me chama pra ajudar o garimpeiro. Você não me chama pra denegrir.

Imagem mostra ao centro o fundador da Coogam, o garimpeiro Geomario Sena, e ao seu lado a filha Tânia, no ato da concessão da licença do Madeira concedida por Amazonino Mendes I Foto: Reprodução Facebook do Governo do Amazonas/2017

O que dizem os citados

Ao ser questionado da acusação de incentivar o garimpo ilegal no rio Madeira, na época em que era governador do Amazonas, o hoje senador Omar Aziz (PSD) riu da situação: “Meu amigo, eu nem sei quem é essa senhora [Tânia Sena]. A política ambiental do meu governo foi aplaudida. Não tinha uma balsa em garimpo nenhum”, respondeu com ironia, afirmando que não iria responder aos comentários dela.

Também ironizou a existência de uma cooperativa de garimpeiros no Amazonas, pelo fato de atividade não ser permitida, segundo ele. “Agora já tem até associação de garimpeiro ilegal? São garimpeiros ilegais. Porque o garimpo é ilegal no Brasil, meu irmão, não sabe?”, enfatizou.

Em 2012, no governo de Omar Aziz, as autoridades ambientais iniciaram discussões sobre regularização de garimpo de ouro. A proposta foi criticada por cientistas e ambientalistas.

O ex-governador Amazonino Mendes (Podemos), por meio de seu assessor, Paulo Castro, também disse que desconhece o assunto e que no seu governo não houve nenhuma medida legal de incentivo ao garimpo no Madeira. “Até porque a área, fiscalização dos rios, principalmente o Madeira, é federal, não compete ao governo”, disse o assessor.

Castro também reforçou que o Amazonino nunca combateu o garimpo ilegal, “porque não era dele a competência de combater”. Apesar de negar, o fato é que Amazonino, enquanto governador, concedeu lavras de garimpo para a Coogam durante seu governo tampão, em 2017. Essas permissões, posteriormente, foram suspensas por meio de uma ação do Ministério Público junto à Justiça Federal.

O também ex-governador do Amazonas e atual senador da República, Eduardo Braga (MDB) negou envolvimento com a atividade de garimpo no rio Madeira ou que tenha incentivado qualquer prática nesse sentido. “A gente desconhece essa situação, porque não tem como incentivar algo que é de jurisdição federal. É fofoca”, disse por meio da sua assessoria de imprensa.

No entanto, ponderou que houve incentivo à mineração legal, mas que a questão não está ligada ao rio Madeira. “Coisas oficiais [de incentivo à mineração], sim. Nós temos aqui no Estado [do Amazonas] mais de 100 mineradoras que trabalham com ouro, mas tudo oficialmente”, reiterou Braga por meio de sua assessoria.

Fonte: Amazônia Real