Bolsonaro quer o sangue das mulheres pobres escorrendo pelas pernas

Pela dignidade das condições de menstruação, é necessário derrubar o veto do presidente à distribuição gratuita de absorventes higiênicos para mulheres pobres

Artes: @artivistha e @ilustraandressa

O presidente da República, exercendo sua desumanidade plena, vetou a distribuição gratuita de absorventes para mulheres e meninas pobres, prevista na lei recentemente aprovada pelo Congresso Nacional para combater a chamada pobreza menstrual, assunto que entrou definitivamente no rol de pautas relevantes dos movimentos de mulheres.

No Brasil, conforme estudo da BRK Ambiental, há 1,6 milhão de mulheres que vivem em residências sem banheiro, mais de 15 milhões sem água tratada em suas habitações e uma em cada quatro reside em moradias sem coleta de esgoto. Se a família não tem nem água encanada, imagine ter dinheiro para comprar absorvente e itens correlatos. O jeito é improvisar panos, papel higiênico, jornal e outros itens inadequados.

Embora não haja números precisos, há estimativas de que, durante toda a vida menstrual, cada mulher utilize até 13 mil absorventes descartáveis, cujo gasto mensal médio calculado em R$ 21 torna o produto artigo de luxo para pessoas de baixa renda ou sem qualquer renda mensal.

A pobreza menstrual – decorrente da miséria e da desigualdade social – afeta diretamente estudantes da rede pública de ensino cujas famílias vivem em situação econômica difícil. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) calcula 4 milhões de alunas que enfrentam algum grau de privação de infraestrutura nas escolas brasileiras, como banheiro sujo ou sem porta, pia e privada quebradas ou inexistentes e falta de sabonete e papel higiênico, o que torna precária a condição para elas se cuidarem.

O mesmo Unicef mostra que uma em cada quatro alunas do ensino fundamental falta às aulas no período menstrual porque não tem dinheiro para comprar absorventes, problema que afeta o rendimento educacional e consequentemente o futuro das estudantes, o que implica reconhecer que segurança menstrual não é mera questão íntima de cada mulher.

Esse cenário, que só piora no país com o agravamento da crise econômica, acendeu um debate de grandes proporções sobre medidas em larga escala que precisam ser tomadas para minorar o problema.

Para além das iniciativas de redes de apoio e instituições de vários segmentos que já vinham se ocupando com essa questão, pipocaram projetos de lei em Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, assim como iniciativas de prefeituras e governos estaduais, que rapidamente anunciaram programas de entrega de absorventes para alunas de escolas públicas e mulheres que estejam vivendo nas ruas, entre outros segmentos da população feminina.

Na cidade de São Paulo, foi aprovada em julho uma lei de autoria da própria prefeitura, para distribuir absorventes e cestas de higiene contendo lenços umedecidos, desodorante, sabonete, escova de dente e creme dental às alunas da rede municipal de ensino. Até onde se sabe, ainda não alcançou um grande contingente das interessadas nas escolas.

O governo paulista também divulgou, em junho, um programa para entregar absorventes às alunas da rede estadual, com intenção de abarcar prioritariamente as inscritas no CadÚnico do governo federal e as beneficiárias do programa Bolsa Família (em fase de extinção, diga-se). A entrega dos pacotes começou pela Capital.

O Congresso Nacional também se convenceu e aprovou, em setembro, a Lei 14.214/2021 instituindo o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que prevê distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, mulheres vivendo nas ruas, detentas no sistema prisional e aquelas que estejam cumprindo medida socioeducativa.

Mas Bolsonaro, o presidente desumano, perverso e machista, vetou os principais pontos da lei: o que trata da distribuição gratuita de absorventes e o que inclui o produto nas cestas básicas distribuídas pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Assim, desfigurou o programa. E comprovou ser um homem que odeia as mulheres. A depender dele, mulheres pobres viverão com o sangue escorrendo entre as pernas.

Mas a reação imediata de movimentos feministas, organizações estudantis, entidades sociais, autoridades de saúde e parlamentares de distintos partidos, em particular a bancada feminina em Brasília, foi conclamar à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal que derrubem o veto do presidente.

Esta luta é pelo direito básico à higiene menstrual, que, de acordo com a Organização das Nações Unidas, deve ser tratada como uma questão de saúde pública. O relatório da 33ª Assembleia Geral do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ocorrida em 2016, estabelece que “O direito humano a água e saneamento inclui o direito a todos a produtos de higiene menstrual seguros e acessíveis, que devem ser subsidiados ou providos gratuitamente quando necessário”.

Da mesma maneira que existe preservativo masculino à vontade em centenas de locais públicos, o sistema de saúde precisa incorporar à sua rotina a distribuição dos absorventes femininos, como parte das medidas para melhorar as condições precárias que milhões de mulheres enfrentam para transpor o período menstrual. Mais que isso, o kit menstrual deveria, sim, fazer parte da cesta básica das famílias, como forma de universalizar esse direito civilizacional.

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