Deputada é ameaçada por exigir investigação sobre mortes em Varginha

Andréia de Jesus é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas e defende esclarecimento sobre a morte de 26 homens em suposto confronto com a polícia

Andréia de Jesus quer apuração sobre circunstâncias de ação policial que matou 26 homens no Sul de Minas - Foto de Ricardo Barbosa ALMG

“Vamo (sic) lhe matar. Seu fim vai ser igual ao da Mariele (Marielle Franco). Pra tu ficar de exemplo”. Após receber essa e outras mensagens em suas redes sociais, a deputada estadual Andréia de Jesus, do Psol, tornou pública a ameaça e decidiu pedir proteção à Polícia Legislativa de Minas. A parlamentar é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e vem defendendo a abertura de uma investigação sobre a ação policial que resultou na morte de 26 homens em Varginha, no Sul de Minas, no último domingo. Marielle Franco é a vereadora, também do Psol, assassinada no Rio de Janeiro em 2018.

A deputada mineira registrou um boletim de ocorrência sobre a ameaça após a Polícia Legislativa acionar a Polícia Civil, e hoje, 4, ela pretendia ir à Delegacia de Crimes Cibernéticos para formalizar a denúncia. “A Comissão de Direitos Humanos acolheu minha denúncia e eu tornei público o ocorrido. Em seguida, todas as minhas redes sociais foram invadidas por extremistas distorcendo a minha fala, com comentários de ódio e desrespeito. E, por fim, surgiram ameaças contra a minha vida”, denunciou a deputada.

A Polícia Civil instaurou inquérito policial para apurar as ameaças virtuais sofridas por Andréia de Jesus, de 43 anos, e informou que a investigação tramita sob sigilo na Delegacia Especializada em Investigação de Crimes Cibernéticos.

Questionamentos

As mortes de 26 supostos assaltantes ocorrida em dois sítios em Varginha, na madrugada de domingo vem gerando estranheza e vários questionamentos, principalmente pelo fato de nenhum policial ter saído sequer ferido durante um intenso “tiroteio”. Desta forma, paira no ar a desconfiança, inclusive em especialistas em ações policiais, de que pode ter havido execução de supostos assaltantes de bancos.

Isso poderá ser esclarecido pela perícia dos médicos legais nos corpos, mas, por enquanto, o departamento da Polícia Civil tem divulgado apenas dados relativos à identificação dos mortos, a maioria deles originários das cidades de Uberlândia e Uberaba, no Triângulo Mineiro. A perícia poderá indicar, por exemplo, a distância dos disparos de tiros, assim como a posição em que os corpos estavam quando foram atingidos, o que poderá ou não esclarecer se houve execução sumária.

É curioso, ainda, o fato de que ninguém foi preso na ação e, conforme autoridades de segurança, os 26 homens chegaram a ser socorridos com vida, mas morreram após receberem atendimento médico. Diante disso, o Ministério Público formou uma comissão para investigar como se deu a ação policial, já que falta transparência sobre o caso. Do jeito que aconteceu, a operação dá entender que um dos objetivos era não deixar testemunhas que pudessem contar seu desenrolar.

“Por que não foi possível evitar as mortes? Qual é a avaliação feita no momento da operação de que a única forma de apreender as armas era matando as pessoas que estavam ali naquele lugar?”, questionou a deputada Andréia de Jesus. “O objetivo finalístico da polícia, na operação policial, é prender os suspeitos e apreender os possíveis instrumentos que estivessem lá, no caso, as armas. O principal para a gente é: por que não foram preservadas as vidas? A gente está buscando que a polícia responda isso”, disse. De seu lado, a Polícia Militar resumiu o fato de nenhum policial ter ficado ferido durante a ação devido à “técnica, tática e treinamento” da equipe policial que atuou na operação.

Abuso

“A gente sempre lembra que o policial só é policial porque pode fazer o uso da força e essa força pode chegar a matar outra pessoa, mas isso não se faz desprovido de regras e limites, é preciso entender se nessa operação em Minas Gerais houve um abuso desse limite, ultrapassou-se esse limite para gerar 26 mortes. É muito raro no Brasil que uma única operação policial tenha como resultado, além da grande apreensão de armas, a frustração de um crime como assalto a bancos como vem acontecendo Brasil afora, o resultado de 26 mortes. É preciso esforço do Ministério Público e das corregedorias das polícias investigar se houve ou não abuso ou houve ou não letalidade policial”, disse ao portal G1 o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Ivan Marques.

“Isso não é comum, e precisamos investigar. Não se pode abrir qualquer precedente de ação desproporcional da atividade policial. É importante que as pessoas entendam que garantir ação proporcional, adequada e justa é garantia de segurança para todos nós”, afirmou também ao G1 o especialista em segurança pública Robson Sávio, membro do FBSP e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos em Minas.

Para ele, o fato de o confronto armado ter resultado em vitimização de apenas uma das partes chama atenção. Um trecho do Anuário Brasileiro de Segurança Pública diz que “quando a polícia produz um número muito elevado de mortes e policiais não são vitimizados, é difícil crer que todas as ações estão focadas exclusivamente na defesa da vida dos policiais”.

Especialistas em operações policiais querem saber se houve preservação da cena do crime para que fossem feitos trabalhos periciais e se existiram disparos feitos por outras armas além das usadas pelos policiais, num ambiente em que os corpos foram removidos pelos próprios policiais logo após o suposto confronto. Desde já sabe-se que os responsáveis pela apuração do episódio têm muito mais perguntas do que respostas sobre a ação policial em Varginha.