Documento único de identidade e o obstáculo da proteção da privacidade

Eduardo Tomasevicius Filho coloca como um dos obstáculos para sua implantação os números que se referem às pessoas, são dados pessoais, e hoje em dia há uma lei de proteção de dados

“Desde a década de 90 se busca ter uma unificação da identidade civil, que pode passar a ser o CPF Foto: arte sobre fotos camara.leg.br e pr.gov.br

O projeto que define o CPF (Cadastro de Pessoas Físicas)  como único documento de identificação dos cidadãos nos bancos de dados de serviços públicos do País já foi aprovado pelo Senado, mas sofreu modificações em seu conteúdo e voltará para nova análise dos deputados. 

A ideia de unificação em um único número é uma tendência mundial devido aos governos eletrônicos. “A mudança seria para facilitar a vida do Estado, sobretudo, e não necessariamente do cidadão”, diz o professor. 

Eduardo Tomasevicius Filho, professor do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP, lembra que os vários documentos existentes hoje surgiram para atender à demanda de cada órgão. Antes o Estado conhecia os cidadãos pelo senso demográfico, o que mudou com a necessidade de individualizar estas informações sobre o cidad˜ão.

“A Secretaria de Segurança Pública criou o RG, a Receita Federal o CPF, para alistamento eleitoral foi criado o título de eleitor, para o serviço militar tem o número de reservista, quem começa a trabalhar tem a carteira de trabalho e o número do PIS, tem o número do registro profissional no órgão de classe, a habilitação tem o número da CNH e quem vai viajar para o exterior tem o passaporte.” Todos esses documentos são considerados válidos para fins de identificação.

Apesar das facilidades que um documento único traria, sua implantação não será tão fácil quanto se imagina, “isso ocorreria em razão das bases de dados estarem espalhadas em diversos órgãos”, explica o professor Tomasevicius.

Outro obstáculo para sua implantação é com relação a esses números que se referem às pessoas, são dados pessoais, e hoje em dia há em vigor uma lei geral de proteção de dados. Existe um capítulo da LGPD que estabelece as regras sobre compartilhamento de dados entre órgãos da administração pública. Além disso, ao contar com um número único de identificação, pode haver um hiper controle do cidadão por parte do Estado, com qualquer servidor de qualquer órgão tendo acesso a dados completos de qualquer indivíduo.

“Desde a década de 1990 se busca ter uma unificação da identidade civil, a primeira lei , 9.454/1997, estabelecia um número único do registro de identidade civil. Depois de 20 anos, surgiu a lei 13.444/2017, que criou a identificação civil nacional e, na sequência, no mesmo ano, a lei 13.460 instituiu regras sobre a participação, defesa dos direitos dos usuários no serviço de administração pública, que tem também uma regulamentação a respeito do registro unificado”, lembra Tomasevicius.

Apesar do benefícios que um número único de identificação trará, cuidados deverão ser tomados com essa mudança, uma vez que seu CPF pode ser utilizado irregularmente e pode ocorrer uma hiper vigilância por parte do Estado e uso pelas empresas.

“O tempo todo se pergunta qual é o número do nosso CPF, em vez do nosso nome, para fazer compras, pagamentos, transferências bancárias, emissão de notas fiscais, serviços de atendimento telefônico. Fala-se até que o nosso nome deveria ser o CPF, independente de nome, apelido, nome social, evitando problemas com homônimos”.

O cidadão continuaria tendo números diferentes para necessidades distintas, mas tudo girando em torno do CPF.

Edição de entrevista à Rádio USP

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