Estudos do Cepedisa/USP são mencionados no relatório final da CPI

“Até a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito, não havia a consciência de que houve uma estratégia intencional de disseminação da covid-19 no Brasil”, afirma Deisy Ventura

Senador Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, cujo relatório final será lido nesta quarta-feira – Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O relatório final da CPI da Covid, que colheu mais de 50 depoimentos e analisou mais de nove terabytes de documentos ao longo de seis meses, foi apresentado e lido pelo relator da comissão, Renan Calheiros, na manhã desta quarta-feira (20). Caso aprovado, os indiciamentos contidos no relatório serão enviados para a Procuradoria-Geral da União, Ministério Público e Tribunal de Contas da União para análise e adoção de medidas cabíveis.

A professora do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e editora do boletim Direitos na Pandemia, Deisy Ventura, comenta as repercussões do relatório final da comissão, que menciona estudos do Cepedisa.

Leia também: Bolsonaro adotou estratégia de propagar covid-19 para retomar economia

Deisy Ventura – Foto: Reprodução/Fapesp

“Até a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito, não havia a consciência de que houve uma estratégia intencional de disseminação da covid-19 no Brasil, que foi construída ao longo dos últimos meses”, explica Deisy.

Para ela, o modo como a CPI revelou o tratamento dado pelo governo às vacinas talvez seja o trabalho mais importante. A investigação mostrou um comportamento “inaceitável” sobre o tema, ao revelar a corrupção na compra de imunizantes, a desorganização e a recusa em efetivar uma campanha de vacinação. O envolvimento de pessoas totalmente desqualificadas nas negociações de vacinas, assim como por parte do governo, mostrou o perfil incompetente e ineficiente desse governo.

Ela destacou a importância do trabalho da CPI ao longo dos últimos meses, com a divulgação de documentos importantes, como a tese do Cepedisa sobre a intencionalidade do governo, para a sociedade e revelações sobre a falta de efetividade do governo no combate à pandemia. Deisy contou dos ataques sofridos, oriundos de setores políticos que consideraram a pesquisa mero instrumento de oposição ao governo, sem sequer conhecer os fatos e documentos.

Por outro lado, a divulgação não foi a regra na imprensa brasileira, que, só mais para o final da CPI, revelou esses aspectos da pesquisa e a estratégia do governo de provocar a imunidade de rebanho provocando a disseminação do vírus. “Ninguém questiona essa nossa tese, o que percebemos antes de todo mundo, ao provar a intencionalidade do governo”.

Sobre os crimes apontados pelo relatório, os pontos referentes a homicídio qualificado e genocídio das populações indígenas não foram consensuais entre os senadores da comissão. “Mesmo que não haja uma indicação clara no relatório sobre genocídio, os documentos levantados pela comissão e outros que já existem já foram levados, em qualquer caso, ao Tribunal Penal Internacional e quem decide se vai investigar genocídio ou crime contra a humanidade é a procuradoria do tribunal, não os senadores”, analisa Deisy.

Ela considera as contribuições da CPI, apesar do último recuo da comissão, evidentemente político, não técnico, visto que há o encorajamento por parte do governo para o extermínio e invasão dos territórios das populações indígenas. Para a professora, não há dúvida sobre isso, principalmente se lembrarmos que o Congresso elaborou e aprovou um projeto de proteção à população indígena na pandemia, que foi vetado por Bolsonaro em seus aspectos mais relevantes. A derrubada do veto demorou meses e o Judiciário interveio para obrigar o governo a agir, sendo que essas decisões judiciais nem sempre foram respeitadas.

“Quando se acusa alguém de genocídio, essa pessoa fica inabilitada para o espaço público”, explica Deisy. Ela lembra que “há uma leitura política com o recuo das acusações de genocídio, para evitar a pá de cal em Bolsonaro, caso não haja uma terceira via nas eleições de 2022”.

No entanto, isso não compromete a CPI, na opinião dela, que “manteve o tema da pandemia na agenda nacional”. Deisy observou que com uma mínima recuperação econômica, muitos já agiam para fazer a população esquecer o que houve no ano anterior. “Não podemos esquecer, para não permitir que isso jamais volte a ocorrer”, enfatizou.

A incriminação de muitos agentes públicos e privados é um mérito da CPI, na opinião dela. Ela considera que muitas pessoas tendem a focar apenas na figura de Bolsonaro, que ela considera “uma figura deplorável com um papel nefasto” por tudo que fez para confundir e desorientar a população.

Com o relatório, evidencia-se uma pluralidade de atores na disseminação de notícias falsas, na divulgação do ineficaz tratamento precoce e no impotente combate à pandemia pelo governo federal.

Edição de entrevista à Rádio USP