Brasil deve levar 10 anos para voltar a seu maior PIB per capita

Em 2020, o PIB despencou 4,1% em 2020, ao passo que o PIB per capita tombou 4,8% – a maior queda já registrada em 25 anos

A prolongada crise da economia brasileira, agravada com o governo Jair Bolsonaro e a pandemia de Covid-19, terá impactos de longo prazo para o País. Com a piora das expectativas para o desempenho da economia brasileira em 2021 e 2022, a recuperação do patamar de Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 2013 – o mais alto já registrado no Brasil, ainda poderá levar quase uma década.

É o que mostra levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). O PIB per capital – soma de tudo o que país produz dividido pelo número de habitantes – funciona como um termômetro para avaliar o bem-estar e o nível de renda de uma nação, apesar de suas limitações, devido às desigualdades do país.

Em 2020, o PIB despencou 4,1% em 2020, ao passo que o PIB per capita tombou 4,8% – a maior queda já registrada em 25 anos –, ficando em R$ 35.172 por habitante. Na estimativa do Ibre/FGV, o PIB per capita vai crescer 4,1% em 2021.

Com isso, o brasileiro deverá terminar o ano ainda 0,9% mais pobre na comparação com 2019 e 7,5% abaixo da máxima histórica de 2013.  Para 2022, a projeção é de um avanço de apenas 0,8%, o que deixaria o indicador ainda 0,1% inferior ao nível pré-pandemia.

O levantamento leva em conta as últimas projeções do Ibre para o crescimento da economia brasileira. Em setembro, o instituto reduziu sua projeção para o avanço do PIB total de 5,2% para 4,9% em 2021. Já a previsão para o crescimento de 2022 baixou de 1,6% para 1,5%.

“O risco de um cenário pior para o ano que vem é mais provável do que de um aumento nas projeções para o PIB – o que significará também uma taxa de crescimento muito baixa do PIB per capita”, afirma a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV e autora do levantamento. “Será abaixo de 1% com certeza. Ou seja, ainda não recupera o patamar de 2019.”

O cenário base atual do Ibre considera uma taxa de crescimento médio anual de 1,6% da economia e de 1% do PIB per capita a partir de 2023. “Um cenário base de crescimento do PIB per capita de 1% ao ano é bem factível. Só que, mesmo assim, a gente só voltaria ao patamar de 2013 em 2029. Ou seja, precisaria de uma década para voltar ao patamar do pico de 2013”, diz a pesquisadora.

“É muito difícil imaginarmos alguma coisa melhor que isso”, agrega ela, destacando a perda de fôlego da economia nos últimos meses e o retrospecto de crescimento muito baixo das últimas décadas. Segundo Silvia, a estimativa já considera um crescimento populacional menor, o que é um fator de pressão a menos sobre o PIB per capital.

“Na década anterior, a média de crescimento populacional por ano foi 0,83%. Agora, nesta década, a gente prevê que o crescimento será de 0,6% ao ano, o que também pode ser revisto até para baixo dependendo do resultado do Censo”, diz. Mesmo num cenário de maior otimismo, com uma taxa de crescimento econômico de 3% ao ano a partir de 2023, o PIB per capita retornaria ao pico de 2013 a partir de 2025.

Ou seja, o retorno ao patamar de antes da grande recessão de 2014-2016 ocorreria após no mínimo 12 anos. “Isso seria um cenário super otimista, porque o PIB crescer 3% sistematicamente por vários anos é algo muito raro e atípico”, afirma Silvia.

De 1981 a 2019, a taxa de crescimento médio do PIB per capita foi de apenas 0,7% ano, de acordo com o levantamento. A última década foi a pior da história para o PIB per capita, em um movimento na contramão do mundo, uma vez que a riqueza mundial apresentou crescimento no período.

Segundo o Ibre, o brasileiro ficou em média 0,6% mais pobre ao ano entre 2011 e 2020, um resultado ainda pior que o registrado na década de 1980, quando o PIB per capita caiu em média 0,4% ano a ano. Considerando apenas o período de 2015 a 2020, a perda anual média foi de 2%.

Importante destacar, porém, que o fraco desempenho observado na última década não é resultado apenas da pandemia, mas também da dura recessão registrada entre o fim de 2014 e 2016 e da fraca retomada nos três anos seguintes. “Antes da pandemia, o PIB já estava rateando bastante”, diz a pesquisadora.

De acordo com ela, “2019 já foi um ano relativamente ruim, com alguns trimestres negativos. A gente ainda estava 6,7% abaixo do patamar de 2013. Temos uma nova crise gerada pela pandemia, mas os nossos desafios de crescimento permanecem”.

As projeções econômicas do mercado financeiro para a economia têm piorado semana após semana, segundo o relatório Focus, do Banco Central, que colhe a avaliação de uma centena de economistas. Hoje, os analistas estimam que o PIB deve crescer 5,04% em 2021 e apenas 1,57% em 2022. No começo do ano, a previsão era de alta de 2,5% no ano que vem.

Após o PIB do Brasil avançar 1,2% no 1º trimestre, a recuperação perdeu fôlego no 2º trimestre, e os analistas não descartam a possibilidade de uma nova queda do PIB no 3º trimestre, o que caracterizaria uma recessão técnica. A pesquisadora do Ibre destaca que o setor industrial e de bens de consumo continua sendo bastante prejudicado pelo aumento de preços, falta de insumos e encarecimento do custo da energia elétrica.

“Ainda há um espaço para normalização nos serviços públicos e alguns segmentos de serviços talvez possam acelerar um pouco. Então, é difícil imaginar um crescimento no ano muito abaixo de 4,9%, e algum crescimento para o ano que vem já está meio que garantido. É preciso qualificar, porém, o que é mero retorno à normalidade e não crescimento econômico propriamente dito”, afirma.

Entre os principais fatores de risco para a retomada e de freio para o PIB, estão o agravamento da crise hídrica, as preocupações com a trajetória das contas públicas (risco fiscal), a maior tensão política e antecipação da disputa eleitoral, a trajetória de alta da taxa básica de juros, o desemprego elevado e, sobretudo, a inflação em alta.

“Mais de 60% do PIB do lado da demanda é consumo das famílias. Num cenário inflacionário e de baixo emprego, e com cobertor curto para as políticas redistributivas, o espaço para o aumento do consumo das famílias é muito baixo”, avalia Silvia. Conforme o IBGE, o desempregou recuou para 13,7% no trimestre encerrado em julho, mas o rendimento real habitual do trabalhador ficou em R$ 2.508 o que representa uma queda de 8,8% na comparação com julho de 2020.

Com informações do G1