CPI pode indicar que Bolsonaro cometeu crime de genocídio contra indígenas

Após encontro com o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), o coordenador nacional da ADJC, Aldo Arantes, demonstrou otimismo sobre a possiblidade de aprofundar no relatório final a questão indígena, uma das sugestões que constam no documento entregue ao senador

Direção da ADJC entrega documento com sugestões ao relator (Foto: Divulgação)

Na reta final dos trabalhos, a CPI da Covid chega à conclusão de que Bolsonaro cometeu diversos crimes como charlatanismo, prevaricação, epidemia, contra a saúde pública e, possivelmente, genocídio contra indígenas. Este último tema foi debatido nesta segunda-feira (20) entre o relator do colegiado Renan Calheiros (MDB-AL) e a direção da Associação dos Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC).

O coordenador nacional da ADJC, Aldo Arantes, deixou a reunião otimista sobre a possiblidade de aprofundar ainda mais a questão indígena, uma das sugestões que constam no documento entregue ao relator.

“Fizemos uma série de outras propostas e ele acatou tudo como as conveniências de uma comunicação para a ONU sobre o problema da máscara (Bolsonaro fará a abertura do evento sem se vacinar e usar máscara). Enfim, um encontro muito bom e positivo”, disse Arantes, para quem Calheiros confirmou que vai adiar a apresentação do relatório em ao menos duas semanas.

De acordo com Paulo Machado Guimarães, membro da coordenação política da ADJC, e presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o relator deixou claro que a questão indígena é uma das preocupações, pois ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia revelam fortes indícios da prática de genocídio.

“O relator gostaria de ter uma avaliação mais aprofundada. Comprometi-me a mobilizar a comissão (OAB) para apresentar no prazo de uma semana subsídio à relatoria da CPI, inclusive com base no Estatuto de Roma”, revelou Paulo Guimarães.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) usou artigos do estatuto quando protocolou um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia para denunciar o governo Bolsonaro por genocídio. A organização solicitou que a procuradoria do tribunal examine os crimes praticados contra os povos indígenas desde o início do mandato do presidente, janeiro de 2019, com atenção especial ao período da pandemia da Covid-19.

Além da questão indígena, o secretário adjunto da ADJC, Lucio Flávio Dias, diz que foi enfatizado na conversa o gabinete paralelo, que pode ser enquadrado como prática de atos de impropriedade administrativa. “Colocamos também a necessidade de reforçar na CPI a luta em defesa da democracia no contexto do combate das fake news. E ainda normas garantindo que outras instituições possam apresentar uma ação penal caso a PGR (Procuradora-Geral da República) não apresente em tempo hábil”, disse Lucio Flávio.

Confira a íntegra do documento entregue ao relator:

A Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC acompanha atentamente os trabalhos da CPI e avalia que seu resultado terá enorme repercussão da luta em defesa da vida e da democracia em nosso País.

A ADJC aproveita para parabenizar Vossa Excelência pelo trabalho sério e corajoso que tem desenvolvido como Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para apurar fatos relacionados à pandemia do coronavírus em nosso país.

A seguir são apresentadas algumas sugestões sobre aspectos considerados relevantes nesta fase final dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito: 

1.As contumazes condutas omissivas e comissivas do Poder Executivo em relação à proteção dos bens indígenas, em especial a atenção à saúde indígena denota grave conduta reveladora de propósito em extinguir, no todo ou em parte, integrantes de comunidades e Povos Indígenas no Brasil. Desde a manifestação pública do cidadão que ainda exerce a Presidência da República, no sentido de que em seu governo, não demarcaria qualquer terra indígena, bem como o desmonte das estruturas administrativas da Funai e dos Distritos Sanitários Indígenas, só não tem sido mais grave e terrível, em razão de decisões do Supremo Tribunal Federal, em especial nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709, cujo Relator é o Ministro Luís Roberto Barroso. Esta ADPF nº 709, proposta pela APIB, pelo PCdoB, PT, PSOL, PSB, PDT e REDE possibilitou que o STF impusesse à obrigação à Administração Pública da União, para que fossem elaboradas e executadas medidas emergenciais de proteção às comunidades indígenas, contra a contaminação do coronavírus. Mesmo com Decisões referendadas pelo Plenário do STF, o Poder Executivo revelou-se, como tem se revelado recalcitrante, no cumprimento integral e eficaz das decisões judiciais. Assume, portanto, elevada   importância a análise aprofundada sobre as condutas genocidas praticadas contra os Povos Indígenas, inclusive para que estes fatos sejam submetidos à apreciação do Tribunal Penal Internacional;

2.A importância da caracterização do “gabinete paralelo”, que caracteriza atentado ao princípio administrativo constitucional da publicidade, podendo ser enquadrado como prática de atos improbidade administrativa, tanto pelo Presidente da República, como pelos Ministros da Saúde, servidores públicos e mesmo outros que deles tenham participado, equiparados para esse efeito a servidores, e que pode, entre outras sanções, torná-los inelegíveis, se condenados;

3.A sugestão da elaboração de uma norma em que, em caso de protelação pela PGR de dar andamento a denúncias relevantes contra o Presidente da República, apresentada por CPI, fique assegurado o direito de, subsidiariamente, a própria CPI, a OAB, os presidentes da Câmara, do senado e a Minoria Parlamentar possam demandar pela continuidade do processo junto ao STF.

4.Que sejam sugeridas medidas rigorosas contra o uso das fake news que causaram sérios prejuízos à saúde pública. É um caminho para, sem fugir do foco da CPI, abordar a defesa da democracia.

Ademais, o Presidente Bolsonaro anuncia que irá à ONU fazer a abertura do evento sem se vacinar e sem o uso da máscara.  Tal atitude revelará a real postura do governo brasileiro face à pandemia.

A imprensa informa que o Secretário Geral da ONU afirmou que não terá como impedir o acesso às dependências da entidade de um chefe de governo que não tenha sido vacinado. Todavia, não se manifestou sobre o uso de máscara. Sugerimos a possiblidade de uma notificação ao Secretário Geral da ONU sobre as graves consequências para a saúde pública, bem como o mal exemplo para o Brasil e o mundo de uma atitude de clara negação das normas de prevenção do covid-19.

Desconhecendo as medidas que serão sugeridas, achamos oportuno suscitar as relacionadas acima, mesmo que elas já estejam no rol das providências a serem adotadas.

Segue em anexo uma Representação da ADJC, ao MPF/DF, na qual solicitava os exames periciais necessários sobre a saúde mental de Bolsonaro, para decidir pela sua interdição se demonstrada a sua incapacidade.

Da mesma forma, a ADJC tem a satisfação em presentear Vossa Excelência, com um exemplar do livro denominado: “Reconstruir a Democracia – união de amplas forças políticas e sociais para a luta ideológica”; organizado pela ADJC, no qual constam textos de especialistas de várias áreas do conhecimento, nos quis abordam os métodos de ataque à democracia que vem ocorrendo no Brasil e no mundo, e as táticas neles empregados, e propõem formas de como resistir eficazmente a tais ataques.

Mantendo-nos e a ADJC, à disposição para esclarecimentos adicionais e para contribuir no que for necessário, aproveitamos o ensejo para renovar nossa consideração e respeito a Vossa Excelência e aos integrantes da CPI da Pandemia.

Atenciosamente,

Aldo Arantes
Coordenador Nacional da ADJC

Lucio Flávio Dias
Secretário Adjunto

Cláudio Pereira
Membro da Coordenação Política

Paulo Machado Guimarães
Membro da Coordenação Política

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