Como os erros e as falhas do governo agravam o “apagão de Bolsonaro”

Reservatórios das hidrelétricas nas regiões Sudeste e Sul chegaram ao mês de setembro em seu pior nível histórico

O Brasil está em contagem regressiva para o pior apagão energético de sua história – o “apagão de Bolsonaro”. Por causa de erros e falhas do governo, é de quase 100% o risco de interrupções temporárias de fornecimento de energia, ainda mais em momentos de picos de consumo, que ficam mais frequentes com a volta do calor.

O governo Jair Bolsonaro não agiu a tempo diante de uma crise anunciada. Com isso, os reservatórios das hidrelétricas nas regiões Sudeste e Sul chegaram ao mês de setembro em seu pior nível histórico, abaixo mesmo do patamar de 2001, quando o País enfrentou um severo racionamento de energia.

O baixo nível dos reservatórios é especialmente preocupante porque as hidrelétricas representam 65% da capacidade de geração de energia do País. As medidas lançadas por Bolsonaro para tentar reduzir a demanda e, ao mesmo tempo, aumentar a oferta de outras fontes geradoras são insuficientes, além de polêmicas.

Uma dessas medidas foi o aumento do uso de térmicas, que tem custo maior que o das hidrelétricas. Para desestimular o consumo “pelo bolso”, o governo aumentou a conta de luz no País e prejudicou especialmente a população mais pobre – que já sofre com a inflação dos alimentos e dos combustíveis. Segundo o IPCA (principal índice de preços do IBGE), a conta de luz ficou em média 21% mais cara no país nos últimos 12 meses encerrados em agosto, mais que o dobro da inflação geral (9,68%).

O Ministério de Minas e Energia lançou também um programa de desconto na conta de luz para quem reduzir seu consumo, com objetivo de provocar uma redução de 15% na demanda entre setembro e dezembro. Também foi editado um decreto com ações para os órgãos públicos federais consumirem de 10% a 20% menos energia de setembro a abril de 2022. Outra providência foi aumentar a importação de energia da Argentina e do Uruguai. Tudo isso, porém, só entrou em vigor nos últimos meses.

Para o engenheiro Edvaldo Santana, diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entre 2005 e 2013, o governo deveria ter feito mais, adotando desde julho uma estratégia de racionamento para evitar os riscos de apagões agora. Isso não foi feito por temor do impacto eleitoral da medida.

“Desde que o PSDB perdeu a eleição (de 2002) por causa do racionamento (na era Fernando Henrique Cardoso), os governos consideram melhor o consumidor gastar mais do que fazer um racionamento”, ressalta. “O racionamento não sai em menos de 60 dias. Primeiro tem que planejar e, depois, as pessoas têm que entender (como funciona). Como a temporada seca está terminando, agora é esperar o que vai acontecer.

Para a professora da USP Virginia Parente, o governo falha em não fazer campanhas para conscientizar a população a economizar energia e luz, ou em estabelecer melhores acordos bilaterais para uso de energia dos países vizinhos. Segundo ela, apagões, ainda que localizados em algumas partes do País, podem causar grandes prejuízos.

“Os momentos de pico de consumo são perigosos, com maior probabilidade de ‘apaguinhos’ de durações variadas. A gente corre esse risco e é bem grave”, diz. “Se você estiver em casa trabalhando no seu computador, a bateria aguenta um tempo. Mas, se você for uma indústria de cerâmica que precisa apagar seu forno, você estraga toda a produção do dia. Pequenos ‘apaguinhos’ da indústria podem fazer grandes estragos.”

No inverno, o auge do consumo de energia se concentra no início da noite, quando escurece. Já com a chegada da primavera, a demanda fica maior também de tarde, devido ao aumento do uso de ar condicionado. Esse fenômeno já começou a ocorrer a partir do final de agosto, conforme dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Na semana passada, o consumo de energia entre 15h e 16h chegou a superar a demanda da noite nos dias 13 e 14 de setembro.

O risco de apagões é alto porque o sistema já está operando no limite. Mais térmicas foram acionadas para compensar a quantidade menor de energia gerada nas hidrelétricas e uso intenso das linhas de transmissão. A interrupção de abastecimento pode ocorrer tanto da geração insuficiente, como da falha em algum ponto do sistema.

“Apagões são prováveis. Estamos com pouca folga no despacho de energia justamente por estarmos usando próximo ao máximo das linhas que temos para transmitir energia”, explica o meteorologista Filipe Pungirum, da Climatempo. “Se algum problema causar interrupção numa linha de transmissão, consequentemente alguns apagões poderão ocorrer, principalmente nos momentos de picos de carga.”

Quem compartilha da opinião é Ana Carla Petti, presidente da consultoria MegaWhat. “O risco de apagão permanece para o atendimento à carga de ponta – aquele momento do dia em que a sociedade consome mais energia elétrica”, diz ela. “Esse momento de ponta tem ocorrido na parte da tarde, por conta de temperatura, uso de ar condicionado – e vai até o início da noite, por volta de 18h. Principalmente o mercado Sudeste tem esse comportamento característico”.

A crise hídrica é a pior do País em 91 anos, segundo especialistas e o próprio Ministério de Minas e Energia. A situação é especialmente grave no Sudeste, que responde por 70% da energia produzida no País. Há um problema no chamado “volume útil” – a quantidade de água que pode ser usada para geração de energia.

Segundo a ONS, o volume útil dos reservatórios que integram o subsistema das regiões Sudeste e Centro-Oeste estava, no sábado (18), em apenas 18% da sua capacidade máxima. É o pior resultado já registrado para setembro. Um ano atrás, o volume útil desse subsistema era de 32,9%, quase o dobro do atual.

Em setembro de 2001, quando o governo FHC impôs medidas drásticas de racionamento à população e a empresas para reduzir a demanda, a capacidade dos reservatórios estava em 20,7%. Naquele ano, consumidores que ultrapassassem determinado patamar de consumo de energia tinham que pagar multas. Até a iluminação pública nas ruas foi reduzida em diversos estados.

A situação também é preocupante no subsistema Sul, em que os reservatórios estão com capacidade média de 30%. A expectativa é que os reservatórios devem continuar secando até novembro, quando começa a temporada de chuvas na maior parte do País.

Em junho, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, disse que os reservatórios do subsistema Sudeste e Centro-Oeste devem chegar, em média, a 10% da sua capacidade em novembro. Segundo ele, esse patamar, aliado às medidas adotadas pelo governo, é suficiente para as hidrelétricas seguirem operando.

Nas a projeção de meteorologistas é que, mesmo com a volta da temporada chuvosa, os níveis dos reservatórios permanecerão insuficientes para uma recuperação satisfatória. A mudança climática aumenta o risco de clima quente e seco. Nem todas as secas se devem às mudanças climáticas, mas ambientalistas apontam que o excesso de calor na atmosfera está tirando mais umidade da terra e piorando as secas.

Hoje, os mercados do Sudeste, Centro-Oeste e Sul estão sendo em parte abastecidos por energia produzida no Nordeste, onde os reservatórios estão mais cheios e há também geração relevante de energia eólica. Mas a situação não é confortável. Nas últimas duas décadas, ao mesmo tempo em que se ampliou a geração e a transmissão de energia no País, também houve aumento do consumo.

Com informações da BBC News Brasil