Racionamento de energia: Medidas de Bolsonaro são tímidas e tardias

Pedro Luiz Côrtes diz que as medidas já deviam ter sido tomadas antes e que o governo teme o termo “racionamento” devido ao período eleitoral.

A interrupção de investimentos em geração de energia piora o cenário de racionamento energético.

Com o agravamento da crise hídrica, o Ministério de Minas e Energia (MME) criou a bandeira da escassez hídrica. A tarifa possui um valor maior do que o praticado na bandeira vermelha patamar dois, que era de R$ 9,49 e passa a R$ 14,20 a cada 100 kw consumidos até 30 de abril de 2022. Com isso, o governo admite que as chuvas de primavera e verão não resolverão o problema da escassez hídrica.

Além disso, foi adotada a política de bonificação para consumidores que reduzirem o consumo de energia entre 10% e 20%, de R$ 0,50 a cada kw hora economizado, que só será pago no próximo ano. As medidas foram criadas como forma de lidar com o agravamento da crise hídrica. Com isso, a bonificação é financiada pelo próprio consumidor taxado pela bandeira de escassez.

“O prognóstico climático, realmente, não é favorável ao longo do segundo semestre, que reproduzirá as mesmas situações que nos trouxeram a essa crise”, contou o professor Pedro Luiz Côrtes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da USP.

“Na prática, o que está acontecendo é que o governo está fazendo com que os próprios consumidores financiem a redução de consumo”, comenta o professor, que caracteriza a medida de sobretaxação como uma forma de gerar recursos para financiar a bonificação da proposta.

Para Côrtes, a efetividade real da medida só poderá ser vista no começo do mês de outubro. “Não acredito que isso venha a reduzir significativamente o consumo, a menos que obviamente as pessoas comecem a perceber o impacto da nova bandeira na sua conta final”, afirma o professor, ao ilustrar a eficácia da tarifação. Ele lembra que a Enel gostaria de um valor ainda maior que o definido pelo governo, valores que impactam na inflação de toda a cadeia produtiva.

De acordo com ele, ainda existe a possibilidade de um novo aumento no valor da tarifação, sendo que o repasse atual foi feito de forma branda para reduzir os efeitos do aumento da tarifa sobre a atual inflação.

Ao analisar os prognósticos em relação ao clima, Côrtes não descarta que a atual crise hídrica acarrete apagões em determinadas regiões do Brasil. “É quase certo que o apagão há de ocorrer até o final do ano com o agravamento da crise”.

Em relação a medidas de racionamento, o professor vê como pouco provável esse tipo de medida devido ao cenário eleitoral, conforme o governo evite o termo.

O professor compreende as atuais medidas para lidar com a crise como atrasadas e tímidas. O cenário j[a se anunciava desde o ano passado e as medidas já podiam ter sido tomadas no ano anterior e no início deste ano. Ele lembrou que na crise anterior, as medidas foram tomadas em maio, enquanto neste caso, só estão sendo tomadas agora.

Ao comparar a tomada de atitudes com outras crises similares, a tarifação vem como solução atrasada dos prognósticos de falta de chuvas, que eram conhecidos pelo governo e especialistas. “Nós estamos entrando em setembro com o início de medidas um pouco mais fortes, mas ainda não suficientes para equacionar todo esse problema”, conclui.

Edição de entrevista à Rádio USP

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