Luis Nassif: A miséria do jornalismo econômico brasileiro

Mídia convencional é incapaz de demonstrar ao empresário que o ganho pontual individual implica perda coletiva

Ontem o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do PIB referentes ao segundo trimestre. Analisando-se o acumulado de quatro trimestres em relação ao acumulado de quatro trimestres até o trimestre anterior, percebem-se alguns aumentos, como de 3,9% na indústria, ou 6,8% na formação bruta de capital fixo.

A comparação com os quatro trimestres vencidos no segundo trimestre de 2020 também mostra alguns avanços, muito tímidos sabendo-se que a economia parou no ano passado. Quando se analisa em prazos mais longos, percebe-se o tamanho do desastre promovido pela guinada ultraliberal, que se inicia com o pacote de Joaquim Levy, ainda no governo Dilma, e prossegue com os governos Temer e Bolsonaro.

Nesse período, houve aumento exclusivamente na Agropecuária (+19,4% no período). Mas houve queda na Indústria (-10%), na Formação Bruta de Capital Fixo (-14,7%), em Serviços (-2,7%), no Consumo das Famílias (-3,3%) e na Administração Pública (-6,4%).

Como é possível essa estagnação, mais uma década perdida se Congresso e Executivo deram tudo o que o mercado pedia e a imprensa incensava? Esse paradoxo – de fazer tudo o que era recomendado e nada dar certo – deve-se a uma das principais vulnerabilidades brasileiras: a insuficiência da informação filtrada pela imprensa econômica.

Há interesses específicos das empresas de mídia, há muitos anos dependentes da publicidade e da perspectiva de sociedade com fundos de investimento. Mas há uma ignorância crassa, uma profundidade de pires no jornalismo econômico. E não é de agora. O ponto central da superficialidade é a incapacidade de analisar mais de um ponto em um cenário econômico.

Toda a decisão econômica tem resultados diretos sobre uma realidade e um enorme conjunto de externalidades positivas ou negativas, porque os fatos econômicos são interligados. Análise competente a que procura compreender o todo, e não as partes.

Um exemplo simples, em relação à perda de direitos trabalhistas. A redução dos direitos trabalhistas beneficia cada empresa em particular, reduzindo o peso da folha. Se melhora para cada empresa, melhora para o todo. Falso.

O aumento da informalidade reduz a capacidade do trabalhador de tomar crédito e aumenta sua incerteza em relação ao futuro (o que o leva a reduzir os gastos). Com isso, há uma redução do mercado do consumo que impacta diretamente as vendas de todas as empresas.

A análise econômica padrão da mídia é incapaz de avançar além do primeiro círculo. É o que se chama, em economia, de a falácia da composição: o que ocorre com as partes não se aplica necessariamente ao todo.

A mídia convencional é incapaz de demonstrar ao empresário que o ganho pontual individual implica perda coletiva. E não é por falta de economistas como fonte. É pela burocratização imbecilizante, pela falta de segurança do jornalista de recorrer a fontes fora de hábito.

Outro ponto de impressionante ignorância é em relação ao papel anticíclico dos gastos públicos. Ou seja, se o ciclo é de queda da economia, o gasto público exerce o efeito anticíclico, impedindo queda maior da economia.

Pegue as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o comportamento da economia no ano passado. Conta prosa e sustenta que não houve queda maior graças às medidas tomadas pelo governo para a ajuda emergencial. Ora, a ajuda só saiu devido à iniciativa do Congresso.

Se Guedes atribui a ela uma queda menor da economia, se a imprensa econômica endossa as afirmações, qual a razão para continuar demonizando os gastos públicos e continuar prisioneiro dessa tal Lei do Teto? O mesmo acontece com a negociata do século – a privatização da Eletrobras que, numa só penada, provocará uma explosão de valorização nas ações dos sócios atuais, sem nenhum benefício para o consumidor ou para o cidadão.

São inúmeros os exemplos desse pensamento raso, univôltico. Consulte, por exemplo, as declarações e artigos contra o custo dos financiamentos do BNDES, antes do governo Temer aumentar substancialmente. Comparavam o custo do financiamento com o custo de rolagem da dívida pública e tratavam a diferença como prejuízo do Tesouro.

Ora, os investimentos ajudam empresas a financiar novas fábricas. Novas fábricas significavam novos empregos, novas receitas, nova arrecadação de tributos – Imposto de Renda, INSS, etc. Como é possível analisar só a relação “custo do financiamento x custo de rolagem da dívida” sem entrar no cálculo todas as externalidades positivas do financiamento?

A razão é simples: uma análise econômica pobre, insuficiente, atrasada, prejudicial ao país.

Fonte: GGN

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