Paulo Rafael continuará reverberando

O olhar particular de Paulo Rafael sobre nossa escola de harmonia nordestina, recheou de influências afro-indigenas, mouras e anglo-europeias sua obra

Foto: Pércio Leandro Siqueira/Divulgação

Um dos mais importantes músicos brasileiros do século XX, autor de riffs memoráveis nas obras de diversos artistas – como Alceu Valença -, encantou-se.

Sem dizer ao menos uma palavra ou frase de efeito, apenas com suas composições e arranjos, Paulo Rafael provou da melhor forma que era possível ser complexo, rico, diverso e, ao mesmo tempo, pop e amplamente acessível a todos e todas.

Sua guitarra única é um divisor de águas na música brasileira. Ali pelos meados dos anos 1970, Paulo estava envolto em uma efervescente cena de música contestadora feita no Recife. Com seus colegas da banda Ave Sangria e ao lado de tantos outros ícones de nossa música urbana e psicodélica nordestina, como Zé Ramalho, Alceu, Lula Côrtes e Geraldo Azevedo, ele ajudou a cunhar uma sonoridade que até hoje influencia novas gerações de artistas – dos conterrâneos da Nação Zumbi, até os meninos do Baiana System, passando inclusive pelos sergipanos da The Baggios.

O olhar particular de Paulo Rafael sobre nossa escola de harmonia nordestina, recheou de influências afro-indigenas, mouras e anglo-europeias sua obra, que seguramente irá reverberar ainda por muito tempo. É possível ouvir um fado triste ao cantarolar o riff de “Anunciação”, com sotaque árabe, ao mesmo tempo em que a música remonta a uma cantoria medieval, um fim de tarde em plena Boa Viagem.

O guitarrista era dono de uma rara capacidade de costurar, por exemplo, Yes, Jethro Tull e Led Zepellin a tonalidades características do forró de sua terra, Caruaru. Conseguiu trazer uma contemporaneidade pop aos frevos rasgados de Maestro Duda, nas canções de Alceu Valença, seu mais próximo parceiro em diversas gravações e músicas. E assim foi fazendo links e costuras com boleros, frevos, forrós entre outras linguagens musicais fortalecendo um potente sotaque de uma guitarra brasileira, nordestina e psicodélica ao lado de escolas fortes como a guitarrada paraense e da guitarra baiana.

Paulo Rafael deixa um importante legado na música brasileira, que sempre vive este dilema de ser local ou ser colonizado, de se permitir experimentar sem perder a potência pop de melodias assobiáveis pelo grande público. Paulo nos mostra que tudo isso é possível, com entrega, cuidado, ousadia e uma doçura impar.

Publicado orginalmente no Som.vc