Reforma trabalhista de Bolsonaro é inconstitucional, dizem magistrados

Associação dos Magistrados e Ministério Público do Trabalho afirmam que medidas que transformaram Medida Provisória em reforma trabalhista são inconstitucionais e não geram empregos

(Foto: Ascom/TRT 4)

A reforma Trabalhista prevista na Medida Provisória (MP) nº 1045 é inconstitucional, afirmam juízes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT).

A MP, que deveria apenas instituir o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que prevê redução de jornada e salário e suspensão de contratos de trabalho, se transformou em uma reforma Trabalhista, depois que o relator, deputado federal Christino Áureo (PP-RJ), aceitou incluir no texto os chamados jabutis (medidas que nada têm a ver com o texto original), a pedido do ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes.

Como o texto da MP, aprovado pela Câmara Federal, tem de ser aprovado  também pelo Senado, até o dia sete de setembro, para não perder a validade, a Anamatra está atuando junto aos senadores e senadoras,  mostrando que o teor é inconstitucional, além de não gerar emprego e renda. 

O diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra, Valter Pugliesi, afirma que a aprovação da MP deverá provocar ações na Justiça como ocorreu com a reforma Trabalhista, de 2017, de Michel Temer (MDB-SP), que cinco anos depois de aprovada pelo Congresso, é contestada no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não votou diversos temas.

Pugliesi elenca os itens que a Anamatra considera inconstitucional na MP do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), incluindo o BEm.

Para ele, o BEm tem um impacto na renda do trabalhador e diz respeito a uma situação que não se verifica mais atualmente. Quando foi criado pela MP 936, que perdeu a validade em 2020, havia normas de restrições de circulação impostas pelos governos estaduais e municipais para evitar a disseminação do novo coronavírus, que agora vem caindo a exemplo do estado de São Paulo que flexibilizou o isolamento social.

“No ano passado, pouquíssimos empreendimentos podiam funcionar, como supermercados e farmácias. Hoje, as indústrias e o comércio em geral voltaram à atividade, ainda que a pandemia traga consequências, mas a realidade é outra”, afirma.

“Qual a necessidade de implantar um programa de redução salarial ?, questiona o magistrado,  que complementa: “Até mesmo o BEm é inconstitucional”.

Outro ponto da MP questionado pela Anamatra é que o próprio STF já considerou que os “jabutis” são inconstitucionais, o que impede a inserção durante a tramitação do processo legislativo, de apreciação de matérias estranhas ao texto.

“A Constituição e o STF dizem que o parlamento tem de observar a temática central, tem de aprimorar o texto central e não inserir matérias estranhas”.

O magistrado explica ainda que a MP tem uma tramitação bem menos abrangente e mais célere, mas precisa correr dentro da normalidade, sendo analisada por uma comissão mista de deputados, e partir deste relatório, o texto é votado nas duas Casas – Câmara e Senado -, mas que desta vez, nem sequer a comissão mista de análise das MPs está funcionando.

“Isto é mais um equivoco desta MP. As entidades que poderiam colaborar neste processo legislativo, como associações e sindicatos não foram ouvidas”, diz Pugliesi.

O Ministério Público do Trabalho, em nota técnica, assinada em conjunto com o Ministério Público da União (MPU) e Procuradoria-Geral do Trabalho (PGT), também criticou as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por meio de jabutis e sem o devido debate de comissão entre governo, trabalhadores e patrões.

Tanto o MPT como a Anamatra entendem que a interferência em matérias de legislação trabalhista também não poderia estar no texto da Medida Provisória.  A MP altera matérias de legislação contidas na CLT, como as de ordem processual de lei do juizado especial civil e criminal, que garantem a gratuidade da Justiça do Trabalho. O artigo 62 da Constituição, parágrafo 1º, inciso um, alínea B, diz que é vedado tratar de processo civil e criminal por Medida Provisória.

Além de impedir que uma MP altere matérias referentes a leis, o texto não poderia impedir o acesso gratuito da Justiça a todos.

“Tanto a reforma trabalhista de 2017, que também alterou a gratuidade, quanto a MP 1045 são inconstitucionais neste quesito”, diz o diretor da Anamatra.

De acordo com ele, o artigo 5º, inciso 74, da Constituição diz que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência dos recursos.

“Cabe ao Estado provar que o trabalhador pode pagar as custas processuais e não ao contrário, de que o trabalhador tem de provar que não pode pagar”, acrescenta.

Segundo Valter Pugliesi, as consequências de limitar a gratuidade à família de baixa renda, com  renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo (este ano, R$ 550); ou com renda familiar mensal de até três salários-mínimos (R$ 3.300), ou ainda a quem ganha salários de R$ 2.573,42, são um risco ao trabalhador que se verá impedido de entrar com uma ação temendo possíveis  consequências negativas.

“A reforma trabalhista e a proposta da MP 1045 inverte esta lógica, define valores baixíssimos, invertendo o ônus da prova”, afirma o diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra.

Hoje, prossegue o magistrado, basta só uma declaração de hipossuficiência [carência] de que as custas processuais podem colocar em risco a sua subsistência e de sua família para a gratuidade da Justiça.

“Infelizmente, ainda existe o pressuposto de que se você perde uma ação, quem burlou a lei foi você, não levando em consideração a dificuldade em conseguir provas e testemunhas de que foi prejudicado na relação com o empregador”, conclui Pugliesi.

Já o MPT, além de criticar o fim da gratuidade, diz que o projeto fragiliza a inspeção do trabalho o que, segundo o órgão, pode gerar aumento de acidentes e infrações.

Diante dessas inconstitucionalidades, o diretor da Anamatra acredita, que caso o Senado aprove o texto como foi enviado pela Câmara, haverá mais uma série de questionamentos jurídicos.

“Se a intenção da MP foi dar segurança jurídica e estabilização nas relações trabalhistas, o objetivo não será alcançado”, diz Pugliesi.

O magistrado do Trabalho também contesta a criação do Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore); do Regime Especial de Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip) e Trabalho Voluntário, inseridos na MP.

“O Piore mantém um princípio de relação de emprego, mas o problema é que constitui empregados pela CLT, de segunda categoria com direitos inferiores aos demais”, diz.

O juiz critica ainda a diluição dos pagamentos do 13º, do adicional de férias e do FGTS menor e multa pela metade no caso de demissão, direitos que os demais trabalhadores possuem.

“O 13º é para dar uma condição mínima para o trabalhador ter um fim de ano um decente com seus familiares. E o adicional de férias é para que ele realmente possa gozar este período, ter um mínimo de lazer”, defende o magistrado.

Em relação ao Requip e ao programa que institui um “trabalho voluntário” nas prefeituras, sem que nenhum dos dois tenha vínculo empregatício, reduzindo salários a menos do que o mínimo e sem contrapartida de contribuições sociais como a Previdência, o magistrado considera um equívoco achar que esses programas vão reduzir o desemprego.

As formas que se criam para, alegadamente, inserir os jovens no mercado de trabalho, e tentar reduzir o desemprego, não têm razão de ser. Sabemos que o desemprego se enfrenta com desenvolvimento econômico

A mesma posição tem o MPT que considera que esses “programas trabalhistas” ferem a Constituição ao não prever direitos constitucionais, como 13º e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), entre outros.

O Ministério Público do Trabalho também critica o fim da jornada máxima para mineiros e redução de adicional para jornadas diferenciadas para 11 categorias como professores, bancários, e jornalistas, e que esses itens não poderiam entrar na medida provisória.

Fonte: CUT

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