Pressão internacional por um governo talibã moderado começa com o FMI

FMI suspende acesso do Afeganistão a recursos do fundo e China tem muitos motivos para investir no país e ter relações de estado. Em entrevista, Talibã promete maturidade na governança.

Quando uma empresa estatal chinesa pagou US$ 3 bilhões, em 2007, pelos direitos de um dos maiores depósitos de cobre inexplorados do mundo, sob as antigas ruínas budistas de Mes Aynak, na província de Logar, a empresa se tornou o maior investidor do Afeganistão - mas a mineração nunca começou devido à segurança e problemas de infraestrutura.

As pressões internacionais sobre o Talibã afegão estão a pleno vapor, na expectativa de garantir uma governabilidade moderada no país que já foi governado pelos radicais de uma forma que faz as pessoas serem capazes de subir num avião para tentar fugir do país. Como já se previa, o Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como a China, já expressam sua cautela com o novo governo.

Nesta quarta-feira (18), o Talibã deu sinais ruins ao mundo ao reprimir com tiros e espancamentos uma manifestação na cidade de Jalalabad. Pelo menos três pessoas morreram e 12 ficaram feridas, segundo as agências internacionais. O protesto começou porque o Talibã tirou a bandeira do Afeganistão de um monumento no centro da cidade e colocou a sua própria.

O FMI disse, nesta quarta, que o Afeganistão não terá acesso aos recursos da instituição, incluindo uma nova alocação de reservas de Direitos Especiais de Saque, devido à falta de clareza em torno do reconhecimento de seu governo após o Talibã ter assumido o controle de Cabul.

“Como sempre acontece, o FMI é guiado pelas opiniões da comunidade internacional”, disse um porta-voz do FMI em um comunicado. “Atualmente, há uma falta de clareza na comunidade internacional em relação ao reconhecimento de um governo no Afeganistão, em consequência da qual o país não pode acessar DES ou outros recursos do FMI.”

China cautelosa

Feliz com os EUA fora de seu quintal, por enquanto, a China estará observando para ver que forma de governo surge, de que maneira o Talibã exerce o poder e se forma ou não um governo inclusivo. A grande dificuldade será a unificação nacional com participação e autonomia de lideranças de todo o país que discordam do Talibã, o que pode também convergir para uma guerra civil.

“É muito importante para a China ver como o Taleban estabiliza a situação”, disse Zhang Li, professor do Instituto de Estudos do Sul da Ásia da Universidade de Sichuan, em entrevista à Al Jazeera. “Acho que o passo mais importante é a reconciliação política. Falar de grande envolvimento econômico é muito cedo.”

As reuniões entre a liderança do Taleban e o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, no final de julho foram importantes para estabelecer as bases para uma maior comunicação entre as duas partes, especialmente para a China ao sinalizar seus interesses significativos em um resultado estável, bem como garantias de segurança, disse Zhang.

“A China deixou bem claro que a situação no terreno precisa ser estável e que deseja ver desenvolvimentos positivos”, disse Zhang. “Se o Talibã puder cumprir sua promessa de maneira adequada e melhorar a segurança, não permitir que militantes vão contra outros países, incluindo a China, acho que é bem possível que a China considere o envolvimento econômico em grande estilo.”

Dois são os grandes projetos de investimento mais conhecidos da China no Afeganistão – um contrato com uma estatal chinesa para desenvolver uma mina de cobre em Mes Aynak em 2007 e uma licitação para um projeto de campo de petróleo em Amu Darya com a China National Petroleum Corp em 2011 – que essencialmente não chegou perto de ser desenvolvido.

Tais ações podem levar ao reconhecimento diplomático para um governo liderado pelo Talibã por parte de países como Paquistão, Rússia e China. São países que não querem ter que lidar com uma espécie de estado pária novamente em sua vizinhança.

Outra questão importante para a China é se a ascensão do Talibã encorajará outros militantes na região, particularmente no Paquistão, ou quaisquer grupos que pretendam usar a campanha de repressão e anti-terrorismo da China contra sua minoria uigur na região de Xinjiang como um grito de guerra contra o país. O terrorismo também é um desafio para a China.

A retomada de políticas draconianas anteriores ou a moderação, e os laços e apoio a grupos islâmicos radicais, especialmente os uigures, deverá determinar as relações com a China e qualquer compromisso econômico posterior.

Declarações oficiais

Em sua primeira entrevista coletiva desde que tomou Cabul no domingo, o Talibã declarou que deseja relações pacíficas com outros países.

“O Afeganistão quer ter relações muito boas com todos. Para reavivar a nossa economia, para garantir a prosperidade, para sair desta crise actual que exige relações realmente boas com os países vizinhos, com outros países, estamos a dar o nosso melhor para nos comunicarmos com países vizinhos no âmbito de quadros diplomáticos internacionais e com base em acordos de boa vizinhança e respeito mútuo”, foi o comunicado do Talibã em entrevista coletiva, na terça-feira (17).

O porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, garantiu que amadureceu em relação à governança. “Nossa nação é uma nação muçulmana, seja há 20 anos ou agora. Mas quando se trata de experiência, maturidade e visão, é claro, há uma grande diferença entre nós, em comparação a 20 anos atrás. Haverá uma diferença no que diz respeito às ações que vamos tomar; isso tem sido um tipo de processo complementar evolutivo”.

O porta-voz prometeu que o Talibã respeitaria os direitos das mulheres, “dentro de certas estruturas”, perdoaria aqueles que resistiram a eles e garantiria um Afeganistão seguro como parte de uma blitz publicitária destinada a convencer as potências mundiais e uma população temerosa de que eles mudaram. “As mulheres serão muito ativas na sociedade, mas dentro das estruturas do Islã. As mulheres são uma parte fundamental da sociedade e estamos garantindo todos os seus direitos dentro dos limites do Islã”.

“A comunidade internacional, se ela tiver preocupações, gostaríamos de lhes assegurar que não haverá discriminação contra as mulheres, mas é claro dentro dos marcos que temos. Nossas mulheres são muçulmanas. Elas também ficarão felizes em viver dentro de nossas estruturas da Sharia”, explicou o porta-voz.

Em todos os temas mencionados, como mídia livre, o porta-voz deixa claro que a liberdade está submetida aos costumes e valores religiosos muçulmanos. “A mídia não deve trabalhar contra esses valores nacionais, contra a unidade nacional. Quando se trata de diferenças étnicas, diferenças religiosas e hostilidades, elas não deveriam ser realmente promovidas pela mídia, eles deveriam trabalhar no país pela unidade da nação para ter uma convivência fraterna pacífica”, completou.

Seus líderes também disseram que não permitirão que outros grupos usem o Afeganistão para lançar ataques contra qualquer país.

O grupo anteriormente declarou uma “anistia” em todo o Afeganistão e pediu às mulheres que se juntassem ao seu governo, tentando acalmar os nervos em uma capital tensa que apenas um dia antes viu o caos em seu aeroporto enquanto milhares se aglomeravam no aeroporto internacional da cidade em uma tentativa desesperada de fugir .

“Nós perdoamos qualquer um, todos aqueles que lutaram contra nós. Não queremos repetir nenhum conflito novamente. Queremos acabar com os fatores de conflito. Portanto, o Emirado Islâmico não tem nenhum tipo de hostilidade ou animosidade com ninguém; as animosidades chegaram ao fim e gostaríamos de viver em paz. Não queremos nenhum inimigo interno e nenhum inimigo externo”, disse Mujahid.

Com informações da Al Jazira

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