Estudo atesta discurso negacionista de Bolsonaro na pandemia

Lira Luz Benites Lázaro diz que falas do presidente subestimaram a seriedade da pandemia, estimularam a desinformação como estratégia política e promoveram a pseudociência

(Foto: Fotos Públicas)

Um estudo da Universidade de Cape Town, da África do Sul, em parceria com a Fiocruz, Fundação Getúlio Vargas e a Universidade de São Paulo, revela um padrão no discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia.

Como explica Lira Luz Benites Lázaro, que é pós-doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP e uma das autoras do estudo, foram analisadas mais de 7 mil notícias, que levaram à conclusão de que o presidente se utiliza de um discurso padrão negacionista e pseudocientífico.

Neste estudo de caso do Brasil, as falhas de liderança no nível mais alto contribuíram para as taxas de mortalidade relativamente altas e crescentes do Brasil durante 2020.

De nossos resultados, extraímos os discursos de Bolsonaro refletindo preocupação com a economia ao invés de saúde, e oposição aos governadores que adotaram medidas de bloqueio:

“As pessoas estão histéricas”, disse ele. “Se a economia afunda, o Brasil afunda com ela. E quais são os interesses desses líderes políticos? Se a economia acaba, qualquer governo chega ao fim. (Estado de São Paulo – 17 / março / 2020)

“Na minha opinião, havia preocupação demais com apenas um assunto [saúde] e eu não podia deixar de me preocupar com o outro [economia]”. (Folha de São Paulo 25 / jun / 2020)

“Lamentamos que, mais cedo ou mais tarde, esse [distanciamento social] vá influenciar o que importamos, até mesmo sobre o pão [que comemos], o trigo. Vai ter uma influência ”. (O Globo 27 / fevereiro / 2020)

Lira Luz Benites Lázaro, pós-doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da USP

A análise do estudo constatou quatros agrupamentos de resultados relacionados ao presidente Bolsonaro. “O que nós pudemos mostrar e verificar foi que as falas do presidente subestimaram a seriedade da pandemia, estimularam a desinformação como estratégia política e promoveram a pseudociência, enfraquecendo as ações do Ministério da Saúde”, explica.

Lira ainda destaca que o estudo constatou uma relação muito próxima entre o discurso negacionista do presidente em relação às pautas ambientais com a fala dele ao longo da pandemia. Sugeres que a abordagem negacionista à mudança climática pavimentou o caminho para sua negação subsequente da seriedade da covid-19 e para seu enfraquecimento do distanciamento social, uso de máscaras e outras respostas preventivas apoiadas pela ciência. 

A abordagem das políticas ambientais por Bolsonaro enquadrou as mudanças climáticas como parte de uma guerra ideológica entre a esquerda e a direita, e entre o controle globalista contra a soberania do Brasil 

“Nossos resultados também mostraram como houve uma descoordenação e contradições entre os governos federal, Estados e municípios”, ressalta. A falta de organização governamental diante dos primeiros meses da pandemia confundiu a população, explica Lira, que se via dividida em seguir as orientações do local onde mora e o discurso do presidente da República, por exemplo.

Como o presidente americano Donald Trump, ele também ganhou notoriedade por apoiar protestos contra bloqueios do governo, por divulgar medicamentos não comprovados (notadamente a hidroxicloroquina) e por minimizar a seriedade de covid-19, até mesmo se opondo veementemente às decisões dos governadores estaduais de impor medidas de distância social.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o estudo continua analisando os discursos e já tem dados referentes ao primeiro ano do Brasil na pandemia. “Vai ser muito importante conhecer não só os discursos do presidente, mas também de outros atores sociais e de governos”, conclui.

“Se eu decidi apertar a mão das pessoas, sinto muito. Eu não convoquei as pessoas para as ruas. Tenho todo o direito [de apertar a mão] ”. (Valor Econômico 16 / março / 2020)

“Nos últimos dias, tivemos um governador que queria impedir as pessoas de irem à praia. Não só falhou, mas o número de pessoas nas praias aumentou. ” (Folha de São Paulo 18 / março / 2020)

“Algumas autoridades estaduais e locais precisam abandonar esse conceito de ‘terra arrasada’; proibição do transporte público, fechamento do comércio e confinamento em massa ”(O Globo – 24 / março / 2020)

“Tenho o direito constitucional de ir e vir [como quiser]. Ninguém vai atrapalhar minha liberdade de ir e vir. ” (Valor Econômico 10 / abril / 2020)

Metodo, qualidade e quantidade

“Nossa preocupação com o projeto era justamente fazer uma análise comparada das respostas e das políticas no enfrentamento da covid-19”, diz.

A pesquisadora explica que o estudo compilou e filtrou notícias com palavras-chave relacionadas à pandemia de quatro jornais de maior circulação no País, nos primeiros seis meses de pandemia no Brasil. Nesse período, foram encontrados 7.200 artigos com as características filtradas.

“Utilizamos um método dinâmico para visualizarmos as probabilidades e os contextos dos discursos. Foi um método que misturou uma pesquisa quantitativa, mas também qualitativa”, explica.

O projeto é financiado pela Fapesp e coordenado pela professora Elize Massard da Fonseca, em parceria com outros especialistas, como Nicoli Nattras, pesquisadora da África do Sul, e Francisco Inácio Bastos, da Fiocruz.

“Esse estudo é importante porque mostra uma análise comparada das respostas dos governo de cada país sobre o que foi e ainda está sendo feito em relação à pandemia”, finaliza.

“E todos os países vão ficar livres da pandemia quando 70% [da população] tiver se infectado e pegar os anticorpos.” (O Globo – 03 / abril / 2020)

“Como [o vírus] está chegando, tem que ser diluído. Em vez de parte da população se infectar em um período de dois ou três meses, vamos [ter certeza] em seis, sete ou oito meses ”(O Globo – 17 / março / 2020)

“Segundo as pessoas com quem conversamos, esse tratamento (com hidroxicloroquina), que começou aqui no Brasil, tem que ser administrado até o quarto ou quinto dia do aparecimento dos primeiros sintomas”. (O Globo – 08 / abril / 2020)

“Quando jovens de até 40 anos contraem o vírus, em princípio não vão ter problemas. Agora vamos supor que esses jovens sejam infectados agora, seria uma barreira no futuro para não transmitir o vírus aos idosos. ” (O Globo – 01 / abril / 2020)

Confira o estudo completo aqui.

Edição de entrevista à Rádio USP

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