Pandemia: reabertura é precipitada e Brasil está em risco, diz Vecina

Segundo o ex-presidente da Anvisa, a terceira dose da vacina já é um fato

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), demonstra preocupação com estados brasileiros que estão programando, já para os próximos dias, uma reabertura quase total das atividades. Segundo Vecina – que é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP –, essa retomada leva em conta apenas um cenário de “retrovisor”, em que mortes e internações têm caído, mas não considera os possíveis efeitos da disseminação da variante delta.

Até o momento, porém, não há elementos que permitam inferir que o comportamento da delta no País será diferente de outras nações. A variante se tornou dominante e elevou de forma significativa o número de casos de Covid-19 em países como Estados Unidos, Israel, Indonésia e Reino Unido.

“Pode ser que tenhamos uma notícia nova e positiva (com relação à delta)? Pode. Mas estamos pagando para ver. Estamos correndo um risco grande e desnecessário”, diz Vecina. A seu ver, tratando-se de pandemia, o País vai respirar aliviado apenas daqui a uns três anos.

Apesar dos temores, os governos dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro anunciaram maior liberação de atividades a partir dos dias 17 e 23 deste mês, respectivamente. Estarão proibidos apenas eventos que causem aglomeração maior, como shows.

No Rio, porém, a expectativa é que a delta se torne predominante nas próximas semanas, segundo a Secretaria de Saúde. Já na capital paulista, a variante já responde por 23,5% das infecções, segundo o Instituto Adolfo Lutz.

“Tudo depende do horizonte. Se você enxerga dez metros à frente, você espera continuar vendo o que está no retrovisor, neste caso uma queda consistente de mortes e internações, e pensa que está na hora de liberar a sociedade. Se enxergar mais longe, vê a probabilidade de ocorrer o que está acontecendo nos outros países”, diz Vecina.

O Brasil ainda tem agravantes em relação aos EUA e Reino Unido, como a baixa testagem e o sequenciamento genético dos vírus encontrados no País. “Sabemos pouco sobre o que está circulando”, diz ele, referindo-se às variantes. Conforme balanço do Ministério da Saúde, haviam sido identificados e notificados no Brasil 706 casos da variante delta e 36 mortes em 14 estados e o Distrito Federal. O Rio de Janeiro (com 211) e São Paulo (193) são os estados com mais casos.

O médico ressalta que, embora casos e internações tenham caído no país, a marca em torno de 900 mortes diárias, em média, é muito alta, equivalente ao pior momento da primeira onda. E lembra que apenas duas doses de vacina podem conter a delta. Pouco mais de 22% da população do País está completamente imunizada.

O sanitarista estima que em novembro o Brasil possa ter entre 70% e 80% das pessoas totalmente vacinadas. Até lá, é possível um novo recrudescimento da pandemia provocado pela variante que veio da Índia, que não é mais letal, mas tem um potencial maior de transmissão, diz Vecina. E pode-se esperar no Brasil um comportamento como o que tem sido visto lá fora, com hospitalizações principalmente de pessoas não vacinadas. “Não estou olhando em bolsa cristal, estou olhando as informações que vêm da Europa e do Sudeste Asiático, dos Estados Unidos.”

Embora a vacinação tenha avançado nas últimas semanas, o médico aponta que o número de doses disponíveis ainda segue muito abaixo da capacidade de imunização do SUS. Instado a fazer uma previsão de quanto o brasileiro poderá respirar um pouco mais aliviado, Vecina se diz pessimista. A pandemia, avalia ele, vai demorar para ser controlada.

“Talvez isso ocorra em três anos”. Para isso concorrem dois pontos: a desigualdade de vacinação no mundo deve fazer com que o vírus continue circulando e criando novas variantes. Sem estratégia de combate à pandemia pelo menos até o fim de 2022, o Brasil deve continuar suscetível a novas ondas. “Não tenho nenhum tipo de otimismo em relação ao controle da pandemia no país.”

Mas o médico vê com mais esperança o desenvolvimento de novas vacinas no País. Além da Butanvac (do Butantan), a Anvisa já recebeu três pedidos de autorização de estudos: a da vacina UFRJac, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); a Spintec, da Federal de Minas (UFMG); e a Versamune, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP com a empresa Farmacore e a PDS Biotechnology, dos Estados Unidos. “As três são muito promissoras”, diz Vecina.

O fato de esses projetos existirem, diz, são um ponto de atenção em meio à tragédia da pandemia. “As universidades, o Butantan, a Fiocruz, a Anvisa são exceções fantásticas nesse clima de terra arrasada em que vive a área de ciência e tecnologia no Brasil”, avalia Vecina. “São exemplos fantásticos de superação, a despeito da situação do País”.

Segundo o ex-presidente da Anvisa, a terceira dose da vacina já é um fato. “A terceira dose não é mais uma pergunta, é uma certeza. E não só para idosos”, diz. “Não tenho muita dúvida que teremos que fazer isso depois de vacinada a população de 12 a 18 anos”. No Brasil, a Unifesp estuda a terceira dose em vacinados com Coronavac, Pfizer, AstraZeneca e Janssen.

Com informações do Valor Econômico