Por que Bolsonaro não combate a pobreza com o “Novo Bolsa Família”

“Vejo o Bolsa Família entre frangalhos e penduricalhos”, diz socióloga

Apesar do discurso do governo Jair Bolsonaro, o programa Auxílio Brasil – que deve suceder o Bolsa Família – não vai combater a pobreza no País. A opinião é da socióloga Letícia Bartholo, ex-secretária nacional adjunta de Renda de Cidadania do governo federal e uma das maiores conhecedoras do Bolsa Família.

Em entrevista ao Estadão, Letícia compara o Auxílio Brasil a uma árvore de Natal, que, de tão cheia de bolas e penduricalhos, pode envergar e acabar caindo. Sua maior preocupação é com o número excessivo de benefícios adicionais que o governo criou na medida provisória (MP) enviada nesta semana ao Congresso.

“Começa a inserir várias ações ao ponto que o programa de combate à pobreza perde o seu objetivo-chave. É como se estivesse subsumindo toda a proteção social a um programa específico”, diz. “Vejo o Bolsa Família entre frangalhos e penduricalhos. A MP não enfrenta os problemas essenciais, que são a ampliação da cobertura, dos valores e a defasagem dos benefícios, já que eles não têm atualização monetária desde 2018.”

A socióloga também põe em dúvida o valor previsto para o benefício, de R$ 400. “Sabemos que essa cobertura está abaixo do esperado”, afirma Letícia. “Desde 2018, a linha de extrema pobreza está em R$ 89 e de pobreza em R$ 178, (permanecendo) sem reajuste e com uma perda grande de valor real do benefício. Hoje, o benefício está em torno de R$ 190 por família.”

Como Bolsonaro fala em estender o programa de 14,7 milhões de famílias para 17 milhões, a demanda por verbas fica ainda mais questionável. “(O governo) precisaria arrumar R$ 50 bilhões a mais para o Bolsa Família. O fato é que a MP não traz nenhuma informação a mais sobre linha de pobreza e valor de benefício”, avalia. “Se a gente quiser começar a provocar reduções na extrema pobreza significativas, precisaria em torno de R$ 120 bilhões. Poderíamos ter um benefício focalizado que beneficiaria cerca de 27 milhões de famílias.”

Segundo a socióloga, “existe uma dificuldade de avaliar a própria MP porque não temos parâmetros adequados para saber qual é impacto orçamentário e sobre a pobreza e desigualdade. O que tem na MP são basicamente intenções de benefícios”.

Diante da crise econômica e da inflação em alta no Brasil, ela propõe, antes de tudo, fixar o valor de referência da linha de pobreza “em torno de R$ 260”, bem acima do atual. “Estamos com uma linha muito defasada e com valores de benefícios que perderam em cinco anos cerca de 30% do seu valor real. As duas medidas essenciais para o programa Bolsa Família hoje são ampliação de coberturas e valores.”

Ela estima que, hoje, há 1,2 milhão de famílias na fila do Bolsa Família e cerca de 400 mil famílias que “estão sem nada” – nem Bolsona, nem auxílio emergencial. E essa fila, diz Letícia, vai continuar mesmo com o Auxílio Brasil, “sem levar em conta que a linha de pobreza está defasada e quem entrou na pobreza de abril até aqui”.

Com informações do Estadão