Militares atacam desfile; Santos Cruz fala em “vergonha internacional”

Para ex-ministro, “comandantes militares não vão agravar a situação entrando em uma polêmica com o presidente da República”

A cúpula do Exército se sentiu constrangida com o desfile de veículos militares diante da Praça dos Três Poderes nesta terça-feira (10), dia em que a Câmara dos Deputados apreciou a proposta do voto impresso para as eleições de 2022. Em tom crítico, a passagem dos blindados foi avaliada como um uso político das Forças Armadas. Oficiais da ativa e generais da reserva criticaram o “espetáculo” golpista promovido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Ministro da Secretaria de Governo nos seis primeiros meses da gestão Bolsonaro, Carlos Alberto dos Santos Cruz classificou o desfile dos blindados para levar um convite ao presidente como uma “infantilidade”. Segundo ele – que é general da reserva –, a Praça dos Três Poderes é um ambiente que deve ser respeitado. O militar considerou um despropósito o evento ocorrer principalmente em um momento de discussão envolvendo o voto impresso na Câmara do Deputados.

“Dizer que foi levar um convite é até uma infantilidade. É um ambiente que precisa ser respeitado, não se pode inventar uma coisa dessa em uma hora de uma votação importante, de um assunto que envolve muita disputa”, diz Santos Cruz, que, fora do governo, se tornou um porta-voz informal dos militares críticos ao governo Bolsonaro. “É uma incompetência de avaliação ou proposital. É um desrespeito e quem sai perdendo são as Forças Armadas. É uma vergonha internacional. Não tem cabimento.”

Para Santos Cruz, os comandantes das Forças, embora contrariados, não vão bater de frente com o presidente Bolsonaro e evitar um agravamento de uma crise institucional. “Os comandantes militares não vão agravar a situação entrando em uma polêmica com o presidente da República. Até por que ninguém acredita na seriedade desse tipo de coisa. Acha que vai assustar o Congresso e o Judiciário? É hora de a Câmara e o Senado deixarem de ser muito tímidos e mostrarem suas forças”, avaliou.

Generais da ativa se recusam a falar publicamente sobre o desfile dos blindados. Nos bastidores, porém, oficiais estrelados avaliam que esse foi mais um episódio da pressão que Bolsonaro vem exercendo para mostrar que ele comanda as Forças Armadas.

Na segunda-feira (9), o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira Oliveira, foi convocado para ir a uma reunião ministerial do Planalto e, consequentemente, a presenciar a passagem dos blindados. No mesmo horário do desfile, o comandante já tinha agendada uma reunião do Alto Comando do Exército, mas acabou comparecendo à Esplanada.

Histórico

Em maio, a cúpula do Exército já havia demonstrado contrariedade com a falta de punição ao general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, que participou de uma manifestação ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro – o que é proibido pelo regulamento militar. Já em julho, o ministro da Defesa, Braga Netto, preparou uma nota assinada com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, para rebater declarações do senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente na CPI da Covid. O texto avisava que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.

Também no mês passado, o ministro da Defesa teria enviado um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) por meio de um interlocutor dizendo que não haverá eleição em 2022 caso não seja adotado o voto impresso. Em nota após a publicação da reportagem, Braga Netto negou ter feito ameaças e disse que as Forças Armadas atuam dentro dos limites da Constituição. Por outro lado, o general da reserva aproveitou o comunicado para defender o voto impresso, dizendo ser uma discussão legítima do governo Bolsonaro.

Após ser criticado até mesmo por aliados do governo pelo desfile de blindados, Bolsonaro, na noite de segunda-feira, publicou um convite nas redes sociais aos chefes das Cortes Superiores e do Legislativo para que assistissem à exibição dos veículos. No texto, assinou destacando que é “Chefe Supremo das Forças Armadas” brasileiras. “Esse título é dado ao presidente para que ele conduza as Forças Armadas de modo estratégico – não para essas besteiras de ficar organizando desfile”, conclui Santos Cruz.

Com informações do O Globo