“Faria Lima” se arrependeu do voto em Bolsonaro, diz Bacha

Para economista, “é preciso fazer com que o presidente Bolsonaro respeite as regras institucionais”

O economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real, afirma não ter votado em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. Mas garante que setores do empresariado que embarcaram na farsa bolsonarista já se arrependeram da escolha. Em parte, porque o presidente não entregou a prometida agenda ultraliberal. Em parte, porque não aceitam “uma nova aventura ditatorial”.

“Bolsonaro falou que, se a Constituição não for do lado dele, irá contra Constituição. Ele anunciou que está disposto a tentar dar o golpe. É o presidente da República falando”, diz Bacha, em entrevista ao Valor Econômico, publicado nesta terça-feira (10). “Isso é de uma gravidade extraordinária – é um crime de responsabilidade pelo qual deveria sofrer impeachment.”

Mas por que, então, tantos empresários apoiaram o Golpe de 64, que levou o País à criminosa ditadura militar? “A questão número um para os investimentos é a estabilidade. Você pode dizer que, no período ditatorial, tinha uma estabilidade”, analisa o economista. “Era uma estabilidade imposta, mas não era contestada. Então, desde que a política econômica favorecesse os investidores, os investidores estavam preocupados fundamentalmente em ganhar dinheiro.”

Ex-presidente do BNDES e comandante do “think tank” neoliberal Casa das Garças, Bacha foi um dos signatários do manifesto lançado na semana passada por banqueiros, empresários, intelectuais e artistas, em defesa do sistema eleitoral brasileiro e contra o golpe do voto impresso. “É preciso fazer com que o presidente Bolsonaro respeite as regras institucionais”, justifica-se.

O jornal lhe pergunta: “O presidente Bolsonaro foi eleito com apoio da Faria Lima. Houve um arrependimento?”. E Bacha afirma, sem rodeios: “Com certeza! Acho que ninguém que votou no Bolsonaro – o que não foi o meu caso – esperava que ele levasse o governo a esse ponto, de ameaça às instituições democráticas. Aqui estamos falando de valores mais fundamentais que se colocaram em jogo, que, do ponto de vista das eleições de 2018, não pareciam estar em causa”.

Segundo o economista, a pandemia de Covid-19 até serviu como um pretexto para justificar o avanço modesto da “agenda reformista liberal”. Para Bacha, “tudo pode ser jogado na conta da pandemia”. Mas, “com pandemia ou não, há uma certa decepção também com o andamento da agenda liberal. O ritmo de entrega está precário e parece que os problemas estão se agravando. Veja o custo para privatizar a Eletrobras, com todas as concessões que o Centrão exigiu”.

Agora, a 14 meses das eleições 2022, a Faria Lima luta para encontrar um candidato a presidente para chamar de seu – e para não ter de votar em Lula (PT) em caso de um segundo turno entre o ex-presidente e o atual. “Temos que cruzar esse rubicão quando chegarmos a ele. Enquanto isso, o que temos que fazer é trabalhar para a construção de uma alternativa melhor”, afirma Bacha. “Quem está preocupado com o avanço do País deve estar, como eu, envolvido na busca de uma melhor via do que essa que nos oferece Bolsonaro de um lado e Lula de outro. Esses filmes já vimos – e são ruins.”

Uma das apostas do mercado – a candidatura do apresentador Luciano Huck, da TV Globo, à Presidência da República – já fracassou. E a ideia de ficar com Lula – mesmo que seja para barrar Bolsonaro – apavora a Faria Lima. Para Bacha, o ex-presidente não vai fazer concessões. “(Lula) é contra a abertura da economia, contra o teto de gastos, todas as declarações recentes são retrógradas”, diz. “Toda a assessoria da qual ele se cerca é retrógrada, antirreformista, uma assessoria do atraso. Parece que eles não aprenderam nada.”

O problema no coração no empresariado é que o governo Bolsonaro também não parece disposto a entregar todas as chaves. “O Brasil se mantém fundamentalmente fechado – e, nesse ponto, o ministro Paulo Guedes tem uma atitude muito decepcionante”, choraminga Bacha.

A Faria Lima, enfim, busca saídas novas para manter seus velhos privilégios de sempre.

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