Bolsonaro e o ataque à Cultura, por Leonardo Giodarno

Governo quer o silenciamento de um setor que sempre se contrapôs aos efeitos nefastos do projeto bolsonarista

Ausência de investimentos, cortes de orçamento, policiamento das produções artísticas, censura, apagamento da memória e dirigismo cultural formam a arquitetura de destruição da Cultura executada pelo governo Bolsonaro. Os ataques à Cultura não são desprovidos de propósito. É um projeto de silenciamento de um setor que sempre se contrapôs aos efeitos nefastos do projeto bolsonarista de imposição de um obscurantismo que ataca as políticas culturais, e também a educação, a ciência, o pensamento e o conhecimento.

Flertando com as práticas e personagens de inspiração nazista, como no recente episódio de confraternização com uma deputada da extrema-direita alemã, Bolsonaro exercita como método o controle ideológico das políticas públicas culturais. O dirigismo é mais uma tática de sufocamento do setor. Tal como feito na Alemanha durante o 3º Reich, que estabeleceu uma “guerra cultural” sob o argumento de defesa dos valores que, em tese, seriam os “tradicionais e genuinamente alemães”. Daí para frente, sabemos o que aconteceu.

E por que estou fazendo essa comparação? Porque as políticas culturais são um termômetro da qualidade de uma experiência democrática. Não por acaso, a criação do Ministério da Cultura no Brasil, em 1985, foi um resultado direto do processo de redemocratização do país. Historicamente, atacar o setor cultural é um dos sintomas de regimes autoritários, ou de que algo não está saudável na democracia.

Na noite de 29 de julho, a Cinemateca Brasileira – sob gestão do governo federal – pegou fogo. Uma parcela significativa da nossa memória e história foi destruída pelas chamas. O espaço abriga imenso patrimônio nacional: o maior acervo cinematográfico da América do Sul, com cerca de 250 mil rolos de filmes e mais de 1 milhão de documentos audiovisuais, como roteiros, jornais, livros e revistas.

Há mais de um ano a Cinemateca pedia socorro ao governo e nada foi feito. Infelizmente, uma tragédia anunciada. Ao não investir na manutenção, sustentabilidade e preservação desses espaços e acervos, o governo se torna diretamente responsável pelo incêndio, de graves consequências para a cultura nacional.

Não foi, portanto, um acidente: trata-se de um projeto. Além da falta de investimentos, outros indícios trazem à tona o viés autoritário do governo de Bolsonaro e sua disposição predatória com a Cultura.

Recentemente, o tradicional Festival de Jazz do Capão, na Bahia, teve cancelada a autorização para captar recursos via Lei Rouanet. O parecer técnico da Funarte usou como argumento uma postagem da rede social do evento, na qual os organizadores se posicionavam contra o racismo e o fascismo. Um nítido movimento de censura do órgão governamental.

À frente de outras ações preocupantes, está o secretário especial da Cultura, Mário Frias, que já disse publicamente que o “dirigismo cultural faz parte da função do governo e não é problema”. Por meio de decreto publicado no dia 26 de julho, o governo mudou as diretrizes da política de fomento cultural do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Na alteração, uma divisão inclui “arte sacra” e “belas artes” como categorias distintas, reforçando um viés ideológico e elitista.

Em movimento mais grave, ataca a autonomia da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura – colegiado formado por representantes de diversas áreas do setor, que definem os projetos habilitados a captar verbas –, permitindo que o presidente da CNIC (o próprio secretário de Cultura) tome decisões ad referendum. O que significa, na prática, que Frias poderá decidir sem consultar o conselho.

São muitas as ações arbitrárias que o governo de Bolsonaro vem promovendo contra o setor cultural, que não pode continuar sofrendo esses ataques. Em tempos sombrios como estes, é muito importante o posicionamento do conjunto da sociedade em defesa da Cultura, que é um direito de todas e todos, consagrado na Constituição Cidadã de 1988.

Devemos nos unir, instituir fóruns de resistência, articular a sociedade civil e pensar estratégias de reação e de defesa da criação, do patrimônio e da diversidade cultural. É preciso impedir que essa política de terra arrasada se alastre ainda mais, provocando outros atentados, reais e simbólicos, contra a criatividade vibrante da cultura brasileira, reconhecida e admirada em todo o mundo.

Publicado originalmente no Brasil 247

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