Em seu centenário, Barbosa ganha merecida exposição no Museu do Futebol

Goleiro histórico do Club de Regatas Vasco da Gama, Barbosa ficou por anos marcado pela derrota do Maracanazo, jogada em suas costas pelo racismo da mídia. Em seu centenário, será aclamado com exposição própria no Museu do Futebol

Provavelmente o mais injustiçado jogador de futebol do Brasil, o goleiro Barbosa ganha a exposição “Tempo de Reação – 100 anos do Goleiro Barbosa”, no Museu do Futebol, em São Paulo, de 19 de julho a 21 de novembro.

Moacyr Barbosa nasceu em Campinas (SP), no dia 27 de março de 1921 e faleceu em Praia Grande (SP), em 7 de abril de 2000, sem ter o necessário reconhecimento de seu valor como atleta. Ele passou por vário clubes, destacando-se no clube carioca Vasco da Gama. Foi o goleiro titular da seleção brasileira de 1950, quando foi realizada a primeira Copa do Mundo no Brasil.

O seu calvário começou porque o Brasil foi derrotado para o Uruguai na Copa do Mundo de 1950, no episódio conhecido como Maracanazo, em 16 de julho daquele ano.

De acordo com os organizadores do evento, a trajetória de Barbosa “nos diz sobre como o racismo estrutura nossa sociedade. E nos permitirá refletir sobre como agir, hoje, para mudar essa estrutura. Exaltar Barbosa é falar da técnica, da alegria e de um futebol brasileiro que conquistou o mundo graças ao protagonismo de homens negros”.

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Racismo no futebol

Trajetória difícil de um esporte que chegou elitista para o país, mas ganhou o coração das multidões e o povo brasileiro se afeiçoou a esse esporte como a nenhum outro. Porém, os clubes demoraram para aceitar negros em suas equipes.

De acordo com o escritor e jornalista Mário Filho, em seu livro O Negro no Futebol Brasileiro, o clube carioca Bangu foi o primeiro a escalar um jogador negro, Francisco Carregal, em 1905. Também conta que Arthur Friedenreich, autor do gol que deu vitória à seleção brasileira no Sul-Americano de 1919, era obrigado a esticar o cabelo para jogar.

Inclusive conta história curiosa de Carlos Alberto, jogador do Fluminense, que era maquiado com pó de arroz para disfarçar sua negritude. Com  o transcorrer da partida a maquiagem saía junto com o suor. Isso valeu o apelido à torcida do Fluminense de pó de arroz.

Mais grave ainda foi a recomendação do presidente Epitácio Pessoa, em 1921, para que a seleção brasileira não levasse jogadores negros à Argentina para o torneio sul-americano e criar “outra imagem” do país com o “melhor de nossa sociedade”. Anos depois, o racismo persiste com inúmeras ofensas a jogadores negros por torcedores e às vezes por outros atletas.

Não apenas no futebol tem racismo. A ex-ginasta Daiane dos Santos, a primeira atleta negra a ganhar medalha de ouro em um campeonato mundial de ginástica, em 2003, denunciou em uma entrevista à edição brasileira da revista Marie Claire que com ela ocorreram “situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro. Teve muito isso dentro da seleção” das ginastas brasileiras.

No futebol, dois dos maiores ídolos do país, Pelé e Garrincha, ao lado de Didi, Djalma Santos e outros resgataram a autoestima do brasileiro, contra o complexo de vira-latas, como denominou o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues, com as conquistas das Copas de 1958 e 1962.

Mesmo assim, o racismo no futebol se mantém, como reflexo da sociedade brasileira na qual predomina a mentalidade escravocrata.

Um episódio contado de que Barbosa teria sido proibido por Carlos Alberto Parreira de visitar a seleção que se preparava para a Copa de 1994, em uma reportagem à emissora britânica BBC, é desmentido por Tereza Borba, filha de consideração do goleiro.

Segundo ela, “o Barbosa foi fazer uma matéria para BBC, de Londres, e ficou uma semana na Granja Comary, juntamente ao Parreira, Zagallo, Taffarel e jogadores. Sem problema algum. O Zagallo é apaixonado pelo Barbosa. Até dizia que, se fosse montar uma seleção para ele, o Barbosa seria o goleiro”.

Ela conta ainda que “apareceu um jornalista e falou que gostaria de fazer uma foto dele com o Taffarel (goleiro da seleção de 1994). O Barbosa, super educado, topou, mas o Zagallo, como protetor, o chamou de canto e falou: ‘Barbosa, se eu fosse você, não faria essa foto. Se der uma zebra e o Brasil perder, vão colocar nas suas costas, dizer que você deu falta de sorte. Eles não vão ter o que escrever e vão colocar seu nome na lama de novo. Mas, estou só te falando como amigo’. Barbosa parou e pensou bem. Então, ele chegou no jornalista e falou: ‘vamos deixar para uma outra hora’. O jornalista ficou furioso, e o cara disse que Barbosa foi barrado”.

Além do racismo, Barbosa enfrentou a dificuldade corriqueira dos goleiros como os últimos defensores de uma equipe e quase nunca são perdoados pelos torcedores quando a bola balança a rede. Tanto que Belchior (1946-2017), canta que “estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol” para destacar uma profunda angústia.

A exposição promete revelar para o país o grande goleiro que foi Barbosa e a maior injustiça do nosso futebol. “Sonhei muito com esse momento, são 25 anos lutando para manter viva a memória do Barbosa. Ele é um herói, um herói de resistência, e nunca viveu o fardo que tentaram impor a ele injustamente, por uma derrota que teve a política como verdadeira causa”, afirma Tereza.

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