Rebeldia com indicação de André Mendonça ao STF, por Lúcio Flávio de Castro Dias

A indicação de Mendonça tem sido apregoada por Bolsonaro como uma indicação teocrática, contrária ao Estado Laico

O ministro da Justiça, André Mendonça - Foto: Ascom/AGU

Entidades democráticas da área jurídica como a ADJC (Associação Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania), ABJD (Associação Brasileira de juristas pela Democracia), APD (Associação Advogadas e Advogados Públicas para a Democracia), AJD (Associação de Juízes pela Democracia), TransformaMP (Coletivo por um Ministério Público Transformador), Ipeatra (Instituto de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho), Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, Movimento Policiais Antifascismo e outras, decidiram, de forma unitária, manifestar seu inconformismo com a indicação de André Mendonça ao STF com uma campanha pela rejeição de seu nome no Senado. E decidiram personalizar essa campanha em um nome, o da professora universitária, advogada criminalista e renomada autora jurídica, Drª Soraia Mendes, que é a antítese de tudo o que Mendonça representa, e que atende em grau de excelência aos requisitos constitucionais de notável saber jurídico e reputação ilibada.

O problema não é e nunca foi Mendonça ser evangélico. Ministros podem ser evangélicos, católicos, espíritas, umbandistas, budistas, ateus etc. No entanto, o STF é território de defesa do Estado Laico, onde os cidadãos de qualquer crença ou não-crença devem se sentir acolhidos em suas demandas de forma imparcial. Os ministros do STF devem observância à Constituição Federal e aos ritos do Devido Processo Legal, não às suas crenças e rituais privados.

A indicação de Mendonça tem sido apregoada por Bolsonaro como uma indicação teocrática, contrária ao Estado Laico. Falou até que Mendonça deveria, no início de cada Sessão, puxar uma oração, o que certamente seria um constrangimento para todos os demais membros da Suprema Corte, em que cada um tem sua própria forma de espiritualidade pessoal.

Além disso, o STF não pode ser rebaixado a um “puxadinho” do Planalto. E Mendonça já deu provas de sua subserviência total ao inquilino daquele Planalto. A pedido dele ou por iniciativa própria servil, enquanto Ministro da Justiça e AGU, esmerou-se em processar quem fizesse qualquer crítica ao atual presidente, ameaçando-os com a Lei de Segurança Nacional, instrumento bolorento e truculento herdado da ditadura militar, tentando com isso abafar a liberdade de expressão própria da democracia. Até cartunistas ele processou por publicarem charges críticas.

E não se pode esquecer que durante a gestão de Mendonça como ministro da Justiça descobriu-se que esse órgão estava a elaborar um dossiê de “servidores antifascistas”, numa clara intenção de intimidar e perseguir servidores por suas opiniões, como uma versão tabajara de polícia política. Felizmente, o STF, provocado, declarou a ilegalidade de tal ação e a proibiu. Mas Mendonça nunca se retratou ou averiguou a ilegalidade nem buscou responsabilizar seus autores, no mínimo compactuando com o crime, se não foi sua a iniciativa do malfadado dossiê.

O nome de Mendonça encontra significativa resistência dentro do Senado. E a iniciativa dos juristas se volta também contra a aprovação puramente ritual que o Senado tem desempenhado nos casos de indicação ao STF no passado. A Constituição atribuiu um papel aos senadores que deve ser exercido com seriedade e em sua plenitude, como um filtro da cidadania contra abusos e indicações mal-intencionadas contra o Estado Democrático de Direito. A nossa mobilização é também um alerta e um chamamento aos senadores para que cumpram com firmeza um poder-dever cívico que lhes compete.

Lúcio Flávio de Castro Dias é advogado, especialista em Processo Legislativo, militante do PCdoB e membro da ADJC e ABJD