Cabeça do eleitor está hoje na sobrevivência, não na eleição 2022

“O eleitor, neste momento, está muito mais preocupado com o avanço da vacinação, pandemia, a retomada do emprego, aumento de preços”, diz Márcia Cavallari, do Ipec

Apesar das pesquisas que parecem apontar cenários para a sucessão presidencial em 2022, é cedo para fazer qualquer afirmação mais assertiva sobre as eleições. A opinião é da diretora-geral do Ipec, Márcia Cavallari, uma das maiores especialistas do Brasil em pesquisa eleitoral. O Ipec é o instituto fundado por ex-executivos do recém-extinto Ibope Inteligência.

Na contramão de boa parte dos políticos, analistas, jornalistas e operadores do mercado financeiro, Cavallari garante que a disputa presidencial é um tema distante na lista de preocupação dos brasileiros. Por isso, diz ela, convém não se impressionar ainda com o quadro de polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro.

“É muito cedo para tirar qualquer conclusão da próxima eleição. Já vimos isso: campanhas começam de um jeito e terminam de outro. E a eleição ainda não está no radar do eleitor”, declara Cavallari ao Valor Econômico. “O eleitor, neste momento, está muito mais preocupado com o avanço da vacinação, pandemia, a retomada do emprego, aumento de preços. O eleitor está na coisa da sobrevivência – não está ainda pensando em eleição.”

A afirmação destoa do comportamento do próprio setor. Embora ainda falte mais de um ano para o pleito, o ritmo de divulgação de pesquisas pode ser considerado forte, diante do que costuma ocorrer no último mês de campanha. Só na semana passada foram veiculados seis levantamentos nacionais: CNT/MDA e Genial/Quaest na segunda, XP/Ipespe na terça, PoderData na quarta, Exame/Ideia na quinta e Datafolha na sexta. Uma pesquisa do Ipsos, encomendada pelo DEM, teve dados vazados para a imprensa.

A mais recente pesquisa Ipec para presidente, do fim de junho, mostrou Lula com 49% contra 23% de Bolsonaro em primeiro turno. Ciro Gomes (PDT) marcou 7%; João Doria (PSDB), 5%; Luiz Henrique Mandetta (DEM), 3%.

Para Márcia, as pesquisas atuais indicam o que poderá ser o início da campanha, mas não são capazes de predizer o que tende a ser o desenrolar da eleição. “Mostram o capital político que cada um tem para começar o jogo. Servem também para ver a avaliação do governo e como isso impacta na intenção de voto no presidente. Mas acho muito prematuro fazer análise sobre resultados. Não dá para falar que esses resultados irão se repetir no ano que vem.”

Na avaliação da diretora do Ipec, as taxas notadamente mais expressivas obtidas por Lula no levantamento que ela conduziu podem ser explicadas por uma combinação de fatores de desgaste a Bolsonaro que coincidiram com a fase de entrevistas. O primeiro foi a superação da marca de 500 mil mortes no país por Covid-19. O segundo foi o início do noticiário sobre suspeitas de corrupção na compra de vacinas.

Para ela, a concentração maior de intenções de voto em Lula e Bolsonaro neste momento também pode ser explicada pela taxa de conhecimento dos dois personagens: “Hoje você tem possíveis candidatos que são mais desconhecidos pela população do que o atual presidente e o ex. Então (Lula e Bolsonaro) aparecem com mais força”.

Márcia diz que, diferentemente do que ocorre com o tema economia, muito relevante em toda disputa, não é possível saber se a pandemia continuará tendo peso considerável até outubro de 2022. “Na medida que a vacinação avança e a pandemia regride, não dá para saber se isso terá um peso – se vai ser mais forte que qualquer outra coisa. Já economia sempre foi importante em toda eleição presidencial e continuará sendo”.

Outra convicção da pesquisadora é que as eleições de 2022 não serão parecidas com qualquer outra que já tenha ocorrido. “Aqui no Brasil a gente vê que cada eleição é uma eleição, né? Não tem repetição”, resume.

O Ipec apurou que 34% dos eleitores que afirmam ter votado em Bolsonaro em 2018 não pretendem repetir o voto. Os entrevistadores não perguntaram a razão dessa mudança, mas Márcia avalia que o motivo seria frustração com os resultados apresentados até aqui. “O presidente foi eleito com uma grande esperança de mudança. Havia uma expectativa das pessoas em vários aspectos. Se não estão querendo repetir o voto, é porque essas expectativas não foram atendidas.”

Para Bolsonaro, diz ela, mais fácil que recuperar o voto perdido seria conquistar um novo eleitor. Mas a possibilidade de recuperação não deve ser descartada. “Há muitos exemplos em campanhas passadas de governantes que começam a campanha com a avaliação não muito boa e conseguem recuperar. É comum isso.”

Com informações do Valor Econômico