Vale acha “absurdo” pagar R$ 1 milhão por trabalhador morto na lama

Rompimento de barragem em Brumadinho deixou 172 mortos em janeiro de 2019

Foto Corpo de Bombeiros de MG

Com uma receita R$ 69,3 bilhões e lucro de R$ 30,5 bilhões, a mineradora Vale SA recorreu ontem da decisão judicial que determinou o pagamento de R$ 1 milhão em danos morais por trabalhador morto no rompimento da barragem da empresa em Córrego do Feijão, distrito de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. A empresa pediu à 5ª Vara do Trabalho de Betim, onde o processo tramita, que a ação civil pública seja rejeitada.

Caso a Justiça do Trabalho decida manter a condenação, a defesa da mineradora pede a redução no número de familiares de trabalhadores mortos com direito à indenização e afirma, no recurso, que a condenação de R$ 1 milhão por vítima é “absurdo”. O pedido de indenização por danos morais foi apresentado pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase-Brumadinho).

A barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019, despejando uma avalanche de lama sobre a comunidade do Córrego do Feijão. O desastre deixou 272 mortos, 11 deles com os restos mortais ainda não localizados.

Trabalhadores de empresas prestadoras de serviços contratadas pela Vale não integram esse processo. No desastre de Brumadinho também morreram hóspedes e o dono de uma pousada. O deslizamento de lama atingiu casas e propriedades rurais, obrigou moradores a deixarem a região e destruiu a área administrativa da mineradora. A tragédia atingiu o Rio Paraopeba, um dos afluentes do São Francisco, que ainda sofre com o impacto ambiental

A Vale pediu, no recurso, a exclusão de 21 pessoas da relação de indenizados. Segundo a mineradora, são trabalhadores que não compõem a categoria do sindicato autor. A empresa também pediu novamente para excluir aqueles que já entraram com ações individuais ou fecharam acordos com cláusula de quitação ampla e geral. Esse pedido já havia sido feito em um embargo apresentado pela Vale no fim de junho, que foi negado.

“Com esse recurso a Vale demonstra o pouco valor que ela dá à vida humana e especialmente à vida das maiores vítimas que são os trabalhadores que morreram e até hoje não tiveram reparação”, disse o advogado Luciano Pereira, que representa a categoria. Segundo ele, após a atitude da mineradora, o sindicato vai voltar à Justiça pedindo a elevação da indenização para R$ 3 milhões.

A defesa da Vale também contestou o valor da condenação. Na sentença de 7 de junho, a juíza Viviane Célia determinou que o cálculo de custas judiciais (valores recolhidos pelos condenados ao Judiciário) fosse feito sobre R$ 150 milhões. “Se de acordo com o autor há 131 substituídos (familiares que representam os trabalhadores mortos) e se cada vítima fatal teria direito a indenização de R$ 1 milhão, o valor da condenação jamais poderia ser superior a R$ 131 milhões”, diz a defesa da Vale.

“Ainda que mantido o absurdo importe de R$ 1 milhão por vítima, o valor da condenação há de ser reduzido para, no mínimo, R$ 120 milhões. A manutenção do injustificado valor causa grave prejuízo à ré”, afirma a mineradora.

Há duas semanas, entidades internacionais ligadas à defesa dos direitos humanos e de trabalhadores enviaram cartas à Vale pedindo que a empresa reconheça e pague, sem resistência, a indenização determinada pela Justiça do Trabalho.

Lama deixou rastro de destruição em janeiro de 2019 – Fotos Corpo de Bombeiros de MG

Assembleia aprova transferência direta de recursos

A Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou na manhã de hoje, por 70 votos a 3, a proposta de emenda à Constituição que prevê que o governo de Minas possa realizar transferência especial para repassar R$ 1,5 bilhão do acordo com a Vale para os municípios mineiros. Houve um voto em branco, do deputado Virgílio Guimarães (PT).

A PEC foi aprovada em primeiro turno. Pelo regimento interno da Casa, são necessários pelo menos três dias de intervalo para que a proposta possa ser analisada novamente em plenário, desta vez de forma definitiva. Isso significa que o texto será analisado em segundo turno a partir de segunda-feira.

Por tratar-se de uma emenda à Constituição, não é necessária a sanção do governador Romeu Zema (Novo). O presidente da ALMG, Agostinho Patrus (PV), tem a prerrogativa de promulgar a PEC.

A proposta inclui na Constituição Estadual a autorização para se gastar, por meio de transferência especial, os recursos extraordinários que entrarem nos cofres estaduais e que superarem 1% da Receita Corrente Líquida.

O acordo do governo de Minas com a Vale como reparação pelo rompimento da barragem em Brumadinho atende este critério. Pelo acordo, a mineradora vai executar R$ 26 bilhões em ações e obras e outros R$ 11 bilhões serão repassados aos cofres estaduais para o Executivo realizar suas intervenções. Deste valor, até agora R$ 1,1 bilhão já foi depositado na conta do Estado.