Bolsonaro teve participação direta em “rachadinhas”, apontam gravações

Prática configura o crime de peculato (mau uso de dinheiro público)

No período em que exerceu mandatos de deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro teve envolvimento direto nas chamadas “rachadinha” – o esquema ilegal de entrega de salários de assessores. É o que apontam gravações inéditas reveladas nesta segunda-feira (5) pelo portal UOL.

Em três reportagens, fica claro o que era dito no círculo íntimo e familiar do presidente. Conforme as declarações, Bolsonaro participava diretamente da “rachadinha” – prática configura o crime de peculato (mau uso de dinheiro público).

Segundo uma das acusações, um familiar de Bolsonaro foi retirado do esquema ao não devolver uma parte maior do salário. Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do atual presidente da República, afirma que Bolsonaro demitiu um irmão dela, chamado André, porque ele se recusou a devolver a maior parte do salário de como assessor.

“O André deu muito problema porque ele nunca devolveu o dinheiro certo que tinha que ser devolvido, entendeu? Tinha que devolver R$ 6 mil, ele devolvia R$ 2 mil, R$ 3 mil”, diz ela. “Foi um tempão assim – até que o Jair pegou e falou: ‘Chega. Pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo’.”

A segunda reportagem revela que, dentro da família Queiroz, Jair Bolsonaro é o verdadeiro “01.” Em troca de mensagens de áudio, a mulher e a filha de Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar e Nathália Queiroz, chamam Jair Bolsonaro de “01”. Márcia afirma que o presidente “não vai deixar” Queiroz voltar a atuar como antes.

Já a terceira reportagem sustenta que recolher salários não era uma tarefa exclusiva de Fabrício Queiroz. De acordo com Andrea, um coronel da reserva do Exército, ex-colega do presidente na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), atuou no recolhimento de salários dela, no período em que a ex-cunhada de Bolsonaro constava como assessora do antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Desde que foi revelado o esquema conhecido como rachadinha, no fim de 2018, Jair Bolsonaro sempre se esquivou do tema ou reagiu com rispidez quando foi questionado. Certa vez, o presidente chegou a dizer que, “se Flávio errou, vai ter de ser punido”. Porém, em outra oportunidade, ameaçou agredir um jornalista que perguntou por que Fabrício Queiroz depositou cheques na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A partir da investigação sobre Flávio Bolsonaro, surgiu o envolvimento de Queiroz e um grupo de pessoas ligadas a ele. Com o avanço do procedimento no MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), que quebrou o sigilo bancário dos investigados, descobriu-se ainda que o esquema envolvia dez familiares de Ana Cristina Valle, segunda mulher de Bolsonaro.

Ainda em 2019, porém, outro procedimento do MP fluminense passou a investigar suspeitas semelhantes no gabinete de Carlos Bolsonaro. Ao todo, a família Bolsonaro empregou 18 parentes de Ana Cristina. Em março passado, ficou público o fato de que quatro funcionários do gabinete de Jair Bolsonaro fizeram saques atípicos – e que sua ex-mulher ficou com todo o dinheiro existente na conta da irmã que estava nomeada para o gabinete do então deputado federal.

O peculato é um crime contra a administração pública e se caracteriza pela apropriação indevida de valores ou bens por um servidor público, a exemplo de parlamentares e membros do governo. “É um crime extremamente grave. Quando um deputado se apodera de recursos dos salários do funcionário de seu gabinete, ele está furtando ou se apropriando indevidamente de dinheiro público”, afirma Roberto Livianu, procurador de Justiça de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.

Segundo Livianu, “quem paga este salário é o orçamento público, a sociedade”, não cabendo ao parlamentar subtraí-lo de nenhuma forma. “Este dinheiro pertence à sociedade e poderia ser investido em saúde, educação. Mas está sendo gasto com a contratação desnecessária de assessores que terão parte dos salários embolsados por um político.”

Com informações do UOL