Como a vacinação levou à redução das mortes por Covid-19 no Brasil

Em março, começaram a cair os óbitos de pessoas acima de 80 anos. No mês seguinte, a queda passou a ser vista nos grupos de 60 a 69 anos e de 70 a 79 anos.

Uma boa notícia em tempos de pandemia e bolsonarismo: desde 20 de junho, a média móvel de mortes por Covid-19 no Brasil está em queda. A tendência se manteve assim no mais recente balanço do consórcio dos veículos da imprensa: 1.558 mortes nos últimos sete dias.

Na opinião de especialistas, os números mostram a efetividade da vacina em grupos que estão totalmente imunizados. O avanço da vacinação entre pessoas acima de 60 anos é apontado como um dos principais motivos da redução das mortes. Ainda em março, começaram a cair os óbitos de pessoas acima de 80 anos. No mês seguinte, em abril, a queda passou a ser vista nos grupos de 60 a 69 anos e de 70 a 79 anos.

Para Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz, a vacinação com duas doses em idosos é a explicação para a redução do número diário de mortes. “A cobertura já está bem elevada nesta faixa, acima dos 60%. Acima dos 70, 80 e 90 ainda é maior. No número de casos, o impacto só vai ser maior com o avanço da vacinação”, afirma.

Os dados são corroborados por um estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Conforme a pesquisa, a vacinação no Brasil evitou a morte de 43.082 pessoas com mais de 70 anos por Covid-19.

“Não há outra explicação para a queda na faixa etária acima de 70 a não ser a vacina”, diz Marcia Castro, professora de Demografia na Faculdade de Saúde Pública de Harvard, pesquisadora do Observatório Covid-19 e uma das responsáveis pelo estudo. “Se você olha ao longo do tempo, o patamar não se alterava desde o ano passado – só começa a cair com a vacina. E as mortes na faixa de 80 ou mais caem antes das de 70, o que faz sentido por conta das prioridades de vacinação”, agrega a pesquisadora.

Conforme o estudo – que analisou a curva de mortes pela doença de janeiro a maio –, a proporção de idosos entre o total de óbitos por Covid caiu de quase 28%, em janeiro, para 12% (entre quem tem mais de 80 anos) e 16% (entre quem tem de 70 a 79 anos) em maio. As mortes por outras causas permaneceram estáveis no período.

“Importante destacar que a grande maioria desse público que registrou queda foi vacinada com CoronaVac, uma parcela menor de AstraZeneca e quase nenhum de Pfizer. Então, essa queda nas mortes foi provocada majoritariamente pela CoronaVac”, acrescenta Márcia.

A CoronaVac respondia por 65,4% das doses aplicadas nas quatro primeiras semanas do estudo, enquanto a AstraZeneca, por 29,8%. A pesquisa analisou um período de 19 semanas. Nas últimas quatro semanas, a vacina do Butantan era responsável por 36,5% e a da Fiocruz por 53,3% do total. A Pfizer respondeu pelas doses restantes no fim do período.

Além da vacinação ter avançado no Brasil entre os grupos prioritários, outros públicos começaram a ter acesso a imunização. Até o fim de junho, mesmo com o boicote do governo Jair Bolsonaro, 12,41% dos brasileiros já estavam completamente imunizados com duas doses de vacinas ou com uma da Janssen, que é de aplicação única. Há 73.569.254 pessoas imunizadas parcialmente, o que corresponde a 34,74% da população que recebeu só a primeira dose. O Brasil terminou o semestre com 99,8 milhões de doses aplicadas.

A infectologista Helena Brígido, vice-presidente da Sociedade Paraense de infectologia e Mestre em Medicina Tropical, acredita que já pode haver reflexo da diminuição da transmissibilidade pelo bloqueio vacinal no Brasil. “As pessoas idosas, profissionais da saúde, com comorbidades, etc. estão pulverizadas entre jovens e crianças não vacinadas. Não é o ideal para proteção, mas de alguma forma, a situação está favorecendo, não sendo somente essa razão”, explica.

De acordo com a médica, o número elevado de casos já confirmados no Brasil desde o início da pandemia, com ou sem sintomas, também provocou “uma imunidade pós-ciclo viral no organismo, apesar de não ser o desejado pela possibilidade de gravidade”. Sem contar as medidas de restrições mais rigorosas, adotadas por governadores e prefeitos. “Porém, sem dúvidas que a vacinação é o grande destaque, pois pessoas vacinadas ficam protegidas de casos graves e óbitos”, concluo Helena.

Proteção parcial

O papel da primeira dose de vacinas como a da Pfizer (75% de eficácia com uma dose) e da AstraZeneca (76% de eficácia com a primeira dose) não foi ainda alvo de estudos de efetividade (análise na população real, e não em estudos). Mas estudos feitos pelas duas farmacêuticas apontam proteção parcial já com a primeira dose. No caso da Pfizer, com a escassez de vacinas, o Ministério da Saúde seguiu a estratégia do Reino Unido e ampliou o intervalo entre doses para poder vacinar mais pessoas em menos tempo.

No Brasil, ao fim do primeiro semestre, a CoronaVac respondia por 45% das vacinas aplicadas (43,2 milhões de doses), a AstraZeneca por 46,1% (43,7 milhões de doses), a Pfizer por 7,7% – (7,8 milhões de doses) e a Janssen por 0,7% – (636 mil doses). Para Bernardo Horta, epidemiologista da UFPel, é “complicado” avaliar o impacto da proteção parcial da primeira dose. “O grau de proteção varia entre as vacinas”, diz. “A primeira dose, aparentemente, tem um efeito, que é menor. Mas tem!”

Helena Brígido, ressalta, ainda, não ser possível ignorar a necessidade das segundas doses. “As vacinas têm o poder de já produzir anticorpos na primeira aplicação do produto. Este ativa o sistema imunológico, que reconhece a substância como invasora, porém, a maioria das vacinas precisa de segunda dose”, diz a infectologista.

“Vacinas com alta eficácia contra casos sintomáticos têm mais chances de inibir a replicação viral já com uma dose. Mas a proteção contra casos graves vem com a segunda dose”, diz o coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Otsuka. “Não dá para confiar em uma dose só, não importa o imunizante: se é dose dupla, todos têm que tomar as duas doses. Muitos pensam que segunda dose é um mero ‘reforço’ opcional, o que é um erro.”

O fato é que a pandemia não está controlada – e a chegada da variante delta ainda é um risco para aqueles que não tomaram as duas doses da vacina. Especialistas lembram que o novo coronavírus tem apresentado ciclos distintos. Segundo o virologista Anderson Brito, pesquisador de pós-doutorado na Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, a manutenção da queda “depende do comportamento das pessoas”.

“Até mesmo países com quase 50% de vacinados podem passar por subida no número de casos: basta os outros 50% se colocarem em situação de risco de infecção”, afirma Anderson. “Com variantes mais transmissíveis, o esforço vacinal terá que se elevar de forma proporcional”, agrega.

Além do impacto da vacinação, a redução da curva pode ter relação com medidas de restrição adotadas há um mês e que precisam ser mantidas, sobretudo porque os dados não apontam uma queda geral das mortes para todas as faixas etárias. “Pode ser que aumente o número de óbitos de novo, sim, mesmo com a vacinação”, pondera Marcelo Otsuka. “As mortes que vemos hoje são reflexo de medidas tomadas um mês atrás. Vários lugares tomaram medidas de isolamento e distanciamento.”

Sem contar a preocupação com a possível chegada ao Brasil da variante delta, considerada mais transmissível e responsável por surto de casos mesmo em países com vacinação avançada. “Se entrar forte no País, pode ter novo aumento. Agora, se o cenário não mudar, vacinação avançando e sem novas variantes, aí sim, manteremos esse padrão de queda”, conclui Julio Croda.

Com informações do G1