Crise energética: “apagão de Bolsonaro” pode ser pior que o de 2001

É a primeira vez, nas últimas duas décadas, em que os níveis de reservatórios ficam abaixo do verificado durante o apagão de 20 anos atrás

O Brasil está prestes a viver um o apagão energético sob o governo Jair Bolsonaro, que deve impor o segundo racionamento à população apenas neste século. Conforme nota técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios de usinas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste devem atingir níveis inferiores aos de 2001 – ano em que houve o primeiro racionamento de energia. A projeção é que esses níveis estarão, em 31 de agosto, com apenas 26,6% de sua capacidade máxima.

Na mesma data de 2001, o volume útil dos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste estava em 26,8%. É a primeira vez, nas últimas duas décadas, em que o patamar de armazenamento fica abaixo do verificado naquele ano. Os dados fazem parte do programa mensal de operação do ONS, referente ao mês de julho, que será apresentado amanhã aos agentes do setor elétrico.

Especialistas apontam diferenças entre a crise atual e o racionamento no governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2001, 85% da matriz era baseada em hidrelétricas e havia menos capacidade de transferência de energia entre regiões do País. Desde então, a rede de transmissão mais do que duplicou e a participação das hidrelétricas caiu para 60%, com o avanço de usinas térmicas e fontes renováveis, como as eólicas.

A Associação de Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) alerta, porém, para outras diferenças menos favoráveis e para riscos que se apresentam no segundo semestre – o que pode tornar o “apagão de Bolsonaro” mais grave do que o de FHC. Segundo a Aesel, na comparação com 2001, hoje existe bem menos margem para redução do consumo pelos consumidores de energia. “Um racionamento com redução compulsória de consumo tende a ser muito mais traumático hoje do que há 20 anos.”

“Naquela época havia muito desperdício e ineficiência na indústria, no comércio, nos serviços e nas residências”, afirmou a associação, em relatório. “Para as famílias, bastou aposentar os freezers e trocar as lâmpadas incandescentes por fluorescentes para reduzir sensivelmente o consumo. Hoje, até pelo preço elevado da tarifa, as empresas e as famílias já fazem o uso mais racional possível da energia, praticamente não há mais onde cortar. O equipamento que mais tem contribuído para o aumento na carga é o ar-condicionado. Famílias, shoppings, escritórios vão desligar seus aparelhos?”

Outro ponto levantado é a margem muito estreita de manobra para o ONS na gestão do sistema em novembro, fim do período de estiagem, quando o próprio operador projetou sobra de apenas 3,3 mil megawatts (MW) no balanço energético – diferença entre oferta e demanda. Esse ligeiro superávit já contempla o acionamento de todo o parque termelétrico disponível.

“Isso representaria uma folga de menos de 4% para o sistema, o que é muito pouco, levando-se em conta a necessidade de reserva girante e o risco real de uma eventual falha localizada levar a um blackout generalizado. Esse cenário, pouco confortável, considera que nossas usinas térmicas operem com o fator de capacidade conforme declarado”, diz a Aesel.

A associação pondera: “Há evidências de que a real situação operacional dessas usinas não condiz com o informado pelos agentes de geração. Além do mais, essas plantas não foram projetadas para operarem na base do sistema, por tanto tempo, de forma ininterrupta. Há um risco real de que, ao longo do segundo semestre, várias máquinas fiquem indisponíveis”.

Nesta semana, a gestão Bolsonaro publicou medida provisória que cria um comitê extraordinário com poderes para mudar vazões de rios e usinas hidrelétricas, sem a necessidade de espera pelo aval do Ibama e da Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo o governo, vive-se hoje o pior volume de chuvas em 91 anos.

Com informações do Valor Econômico