Por que a pandemia só piora no Brasil, mesmo com a vacinação?

Com mais de 50 mil contaminados por dia desde fevereiro, país tem cerca de 15% da população vacinada e isolamento baixo

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Se a pandemia fosse um campeonato e o coronavírus fosse o adversário do Brasil, seria possível dizer que o país entrou na semana que começou no domingo (20) com um time lento, despreparado e insistindo em erros antigos. A vacinação seria o apoio técnico que está atrasado.

O Plano Nacional de Imunização segue, mas ainda assim, os números da pandemia não param de avançar. Os sete dias anteriores já tinham colocado o Brasil novamente no patamar de mais de 500 mil de novos contaminados em apenas uma semana, muito próximo aos piores recordes da história.

Não há segredo para explicar o cenário, que parece discrepante para muita gente. Somente a vacinação, sem medidas de prevenção e sem uma melhora consistente no ritmo de chegada das doses à população, não vai conseguir diminuir os números da pandemia.

Em conversa com o podcast A Covid-19 na Semana, a médica Fernanda Americano Freitas Silva, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, explica que o número de imunizados com a segunda dose é baixo e o Brasil sofre as consequências da falta de planejamento e de vontade política para combater a circulação do vírus.

“É importante destacar o ritmo lento da vacinação comparado ao potencial do SUS (Sistema Único de Saúde). No Brasil, a gente já sabe que houve diversas formas de negligência. Tudo isso influencia no que a gente está vivendo agora”, alerta a médica.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para frear a propagação do vírus será necessário imunizar pelo menos entre 70% e 80% do país totalmente. Atualmente, mais de cinco meses após o início da campanha, o índice de pessoas que tomaram as duas doses está próximo a 15%.

Ainda assim, a falsa percepção de que a vacinação está avançada pode estar aumentando o abandono das medidas preventivas. Diminuir o isolamento e o uso de máscara, por exemplo, pode ser uma combinação fatal para uma nação que tem mais de 50 mil casos diários desde fevereiro.

Fernanda lembra que pessoas vacinadas ainda podem transmitir o coronavírus. “Essa sensação de proteção individual pode prejudicar a ação coletiva que a vacina tem. Todos que estão vacinados devem continuar usando máscara e evitando aglomeração”, ressalta ela.

Segundo o Imperial College de Londres, cada 100 pessoas contaminadas hoje no Brasil, têm potencial de infectar outras 113 pessoas. A taxa de transmissão vem aumentando no país, que superou 18 milhões de casos da covid nesta semana.

É preciso agir

Não há sinalização do governo de que algo irá mudar. No domingo (20), um dia depois de o Brasil alcançar a marca de meio milhão de mortos, a praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, foi decorada com 500 rosas em homenagem às vítimas. Da parte do presidente Jair Bolsonaro não houve nenhum tipo de condolência oficial.

O presidente só falou sobre o assunto na segunda-feira (21), em uma conversa com jornalistas em Guaratinguetá (SP). Ele disse que lamentava os óbitos, mas aproveitou para afirmar que os números são inflados por governadores em busca de verba, o que já foi desmentido pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Nos dias seguintes, as cidades de São Paulo, Campo Grande, João Pessoa, Aracaju, Porto Alegre e Florianópolis suspenderam a vacinação temporariamente por falta de doses. Na quarta-feira (23), a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que a pandemia começou a apresentar queda globalmente, mas ressaltou que no Brasil a tendência é oposta.

Divulgado na segunda-feira (21), o estudo Como o estado atual da vacinação no Brasil influencia no controle da pandemia da covid-19?, das Universidades Federais de Juiz de Fora e de São João del-Rei apontou as consequências da lentidão no PNI.

Se o país continuar vacinando no ritmo atual – cerca de 360 mil pessoas por dia – mais de 200 mil mortes podem ocorrer até o fim do ano e a pandemia não será controlada em 2021. Os estudiosos foram enfáticos na defesa de medidas de prevenção da propagação.

“As medidas não farmacológicas, como distanciamento social e uso de máscaras, são de fundamental importância para prevenir a propagação da doença e diminuir o número de mortes ao longo do ano”, alerta o estudo.

A médica Fernanda Americano afirma que a possibilidade de que a pandemia siga no ano que vem revela falhas gravíssimas. Ela cita as suspeitas de corrupção na compra de vacinas, as negativas de compra e a aposta na ideia da imunidade de rebanho por contágio.

“O que nos resta é continuar lutando com as evidências que a gente tem”, desabafa a profissional frente ao discurso negacionista e a fragilidade das políticas sociais.

“O brasileiro está cansado, o brasileiro está exausto fisicamente e emocionalmente”, ressalta Fernanda, ao defender a urgência da vacinação em massa.

Na quinta-feira (24), em audiência na CPI da pandemia, a médica Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil e integrante do Grupo Alerta, afirmou que mais de 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil com as medidas certas, isso sem levar em consideração o pior período do surto no país.

Também na CPI, o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, apontou que 400 mil pessoas poderiam ter sido salvas. Segundo ele quatro em cada cinco mortes ocorreram por falhas no combate à pandemia.

Fonte: Brasil de Fato

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