Como Bolsonaro e seu ministro-pastor agravaram a crise da educação

Prioridade de Milton Ribeiro no MEC ainda é o homeschooling, a educação domiciliar, que só atinge 0,04% dos estudantes do ensino regular

Quase um ano após a posse do pastor evangélico Milton Ribeiro como ministro, o Ministério da Educação (MEC) sob o governo Bolsonaro continua a decepcionar educadores e gestores País afora. A crise no ensino brasileiro avança, e milhões de estudantes tentam ter acesso à educação em meio à pandemia de Covid-19. Mesmo assim, a pauta do MEC é outra.

A prioridade do ministro-pastor ainda é o homeschooling, a educação domiciliar, que só atinge 0,04% dos estudantes do ensino regular e cujo projeto de regulamentação tramita na Câmara Federal. Sobre a mesa do gabinete de Ribeiro, é possível ver pequenos livros e cartilhas sobre o homeschooling. Questões como alterações em editais de livros didáticos e o “fim da corrupção” no MEC também são pontos explorados pelo ministro.

De tão grave, é difícil alguém querer exagerar o que acontece no ensino brasileiro. Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos não têm acesso à educação de acordo com uma pesquisa feita em novembro do ano passado. Sem poder frequentar a escola e com um ensino remoto inadequado, menos de 25% dos alunos estavam dedicando três horas ou mais por dia às atividades escolares

Em janeiro, quase 5% dos alunos do ensino fundamental e mais de 10% do ensino médio relataram que haviam abandonado o colégio. O conjunto dessa obra é uma espécie de contrato para o aumento da desigualdade de renda no futuro, quando a “geração Covid” estiver ativa no mercado de trabalho com baixíssimas qualificações.

Diante de tudo isso, o MEC conseguiu ainda atrapalhar. Para a Educação Básica, o ministério tinha orçamento de R$ 48,2 bilhões em 2020, mas gastou apenas R$ 32,5 bilhões – o menor valor em uma década. Mesmo com as escolas fechadas, o MEC reduziu verbas do Programa Educação Conectada, voltado à universalização do acesso à internet de alta velocidade. Apenas R$ 100,3 milhões foram gastos em 2020, menos da metade do valor de 2019.

“A pandemia nos impôs um sentido de urgência, mas não se vê isso nos gestos do ministro”, diz Vitor de Angelo, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “A execução de ações importantes é baixíssima ou nula, há dificuldade em incorporar sugestões, não se costuma apresentar alternativas e, quando isso acontece, não se materializam a tempo. Imagine o resultado disso para educação.”

Uma análise da agenda oficial de Ribeiro à frente da pasta com o maior orçamento da Esplanada (cerca de R$ 123 bilhões) aponta predileções. Em um ano, os compromissos vão de visita ao Batalhão de Operações Especiais (Bope) na companhia do presidente a lives com outros pastores. Inclui ainda encontros de cortesia no gabinete e reuniões sobre seus temas como homeschooling e escolas cívico-militares.

Para Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, Ribeiro “apoia tanto” a educação domiciliar apenas para agradar aos bolsonaristas. “Isso anima grupos de WhatsApp e Telegram, entra na fala dos deputados governistas. Isso tudo ajuda na reeleição do presidente”, diz Priscila. “Politicamente, ele é muito útil ao governo.”

Já questões urgentes para a educação, como o enfrentamento à pandemia, passam ao largo da gestão. Ao longo de toda sua atuação no ano passado, por exemplo, foram apenas seis agendas cujo tema explícito era resolver problemas causados pela Covid-19 na educação. “Se você descobrir o que ele está fazendo, me conte”, ironiza um gestor.

Em reuniões com secretários e outros funcionários do MEC, os gestores tentam fazer andarem as políticas de combate à pandemia. Propõem cursos de formação a distância para professores e programas para os anos finais do ensino fundamental. Tentam também pôr de pé propostas de atividades complementares para compensar o vácuo de ensino deixado pela pandemia. Pouquíssima coisa avança na velocidade necessária.

“O processo de pandemia, incertezas políticas, dificuldades e vários embates têm tornado muito morosas as ações. A expectativa é que esses programas possam chegar mais rápido ao chão da escola”, diz Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Enquanto isso, na agenda do ministro, encontros batizados de “alinhamento político” não são incomuns. Até agora, foram registrados pelo menos 20 “alinhamentos”. Ao todo, 35 parlamentares. Dois deles agora em maio foram com deputados evangélicos. Há quem veja aí a pretensão de uma carreira política, o que Ribeiro nega. Entre as lideranças religiosas, o ministro também circula bem.

Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus, conta que se encontrou com Ribeiro quando o ministro tomou posse. “Me procurou porque queria mostrar qual era a intenção, que ele tinha compromisso com a educação, com princípios e valores. A intenção dele era tirar a questão ideológica que estava perpetrada no MEC, tirar gente com ideologia de esquerda de pontos-chave”, diz Malafaia.

Ribeiro evita, ainda, reuniões com quem dele diverge. Deputados da comissão externa da Câmara que avalia o trabalho do ministério não são mais recebidos pelo ministro nem por seus principais auxiliares. Integrantes desse grupo, os deputados federais Felipe Rigoni (ES) e Tabata Amaral (SP) acusam Ribeiro de fechar as portas.

“O senhor estaria incomodado com meus posicionamentos no Twitter. É um ministro de Estado ou não?”, disse Tabata Amaral diretamente a Ribeiro, na semana passada, em audiência pública na Câmara. Segundo Rigoni, coordenador da comissão, até a gestão de Abraham Weintraub, antecessor de Ribeiro no MEC, foi mais aberta à comissão.

Com informações da Época