De Olho no Mundo, por Ana Prestes

A contagem de votos para a presidência do Peru está próxima do fim e é o destaque das Notas Internacionais desta terça-feira (8). A cientista política Ana Prestes analisa as eleições no México, os protestos na Colômbia, o possível boicote americano às Olímpiadas de Inverno de Beijing, o autoritarismo no Haiti e o a viagem da vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, à Guatemala e ao México para estancar o fluxo imigratório rumo aos EUA

Candidatos presidenciais no Peru Pedro Castillo (esq.), do partido Peru Libre, e Keiko Fujimori, do Fuerza Popular | Foto: Ernesto Benavides/AFP

Ainda não há uma definição oficial da eleição presidencial peruana. Após as eleições de segundo turno ocorridas no domingo, 06 de junho, as autoridades eleitorais peruanas seguem apurando os votos. No próprio domingo o “conteo rápido” feito pelo Ipsos Perú/América TV apontou como ganhador Pedro Castillo com 50,2% contra Keiko Fujimori com 49,8%. Neste momento, a Oficina Nacional de Procesos Electorales (ONPE) informa que 97,78% das atas já foram apuradas, dando 50,20% de votos para Castillo e 49,79% para Fujimori. Faltam 0,81% das atas nacionais e 35,81% das atas vindas do exterior. O “conteo rápido” que está bastante conhecido na América Latina nos países que não usam urna eletrônica, por encurtar a projeção de um possível vencedor, se realiza da seguinte forma: o instituto de pesquisa colhe uma amostra do escrutínio de mesas de votação escolhidas aleatoriamente e fazem uma projeção, uma hipótese do resultado final, com margem de erro de +/- 1%. É diferente da boca de urna que coleta a declaração de voto das pessoas ao saírem dos postos de votação. Na noite de ontem, segunda (7), o candidato e professor Pedro Castillo fez um pronunciamento à nação, do balcão da sede do partido Peru Libre em Cajamarca. Em suas palavras ele disse: “esperemos os dados oficiais da ONPE e então vamos nos pronunciar neste momento. Calma, irmãos, tranquilidade (…) Deixemos que se faça a vontade do povo nesse dia de festa democrática e se mantenha a calma e a tranquilidade”. Enquanto isso, Keiko Fujimori deu uma entrevista coletiva e disse que “há uma clara intenção de boicotar a vontade popular” expressada nas urnas no último domingo e pediu que a cidadania avise de irregularidades que tenha presenciado.

Outro país que passou por eleições no final de semana foi o México. São conhecidas como eleições intermediárias de mandato e sua marca foi um tom plebiscitário entre o obradorismo e sua oposição, articulada em uma aliança entre o PRI (centro), o PAN (direita) e o PRD (centro-esquerda) chamada “Vá Por Má”. Apesar de a base Obrador ter continuado como maioria, foi desidratada. O Morena, partido do presidente, elegeu 197 parlamentares, 59 a menos da atual legislatura. O PT, da base aliada, elegeu 38 parlamentares, 8 a menos. Já o Partido Verde Ecologista (PVEM) aumentou sua bancada em 33 cadeiras e elegeu 44. Da coalizão oposicionista, o PAN elegeu 111, 34 a mais, o PRI elegeu 69, 21 a mais e o PRD 17, 5 a mais. O Movimento Ciudadano, que é um partido que se identifica como social democrata e tenta se posicionar como terceira via, ficou com 24 cadeiras, uma a menos. Deste modo, o presidente Obrador terá maioria simples, mas não mais a maioria qualificada que tinha antes, com mais de 333 assentos. Do outro lado, estará um bloco oposicionista com a possibilidade de fazer entre 181 e 213 votos. Três partidos não fizeram os 3% da cláusula de barreira, Redes Sociales Progresistas, Fuerza por México e Encuentro Solidario. Além de eleições parlamentares, o país também realizou eleições nos 32 estados do país. Foram muitos cargos renovados (19 mil): governadores, chefia de governo da Cidade do México, congressos locais, ajuntamentos, juntas municipais e prefeituras. Pelos limites desse espaço das Notas, destaco duas coisas, a vitória da coalizão Vá por México na maioria das “alcaldias” (administrações municipais) na Cidade do México, pois foi uma derrota importante para o Morena, e por outro lado o Morena fez a maioria de 11 governadores (Baja California, Baja California Sul, Sonora, Sinaloa, Nayarit, Colima, Michoacán, Guerrero, Tlaxcala, Campeche e Zacatecas) entre os 15 eleitos, o PAN ficou com dois governos (Chihuahua e Qurétaro), o PVE (San Luís Potosí) com um e o MC com outro (Nuevo León).

Presidente do México, López Obrador, mantém maioria na Câmara, mas base é enfraquecida | Foto: Governo do México

Na Colômbia, neste momento realiza-se a visita de uma delegação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Serão visitadas as cidades de Bogotá, Cali, Popayán e Tuluá. A delegação fará uma apuração sobre as denúncias de violação dos direitos humanos durante a repressão do governo Duque aos protestos que ocorrem no país desde o dia 28 de abril quando começou um “Paro Nacional” que acabou se desdobrando em um “estalido social”, uma insurgência popular provocada por um acúmulo de demandas populares ignoradas por sucessivos governos do país. Quem preside a missão é Antonia Urrejola, presidente da CIDH e ficará até o dia 10 no país. O desafio será conseguir ouvir as vítimas de violação e os familiares dos mortos, pois o governo tenta evitar esses encontros a todo custo. Segundo as organizações não governamentais Temblores, Indepaz e PAIIS (programa de ação pela igualdade e a inclusão social), em um documento de 23 páginas entregue à CIDH, desde o dia 28 de abril até o dia 31 de maio foram registrados 3789 casos de violência policial, que vão desde violência verbal, a agressão física, prisões arbitrárias e injustiçadas, violência sexual e de gênero, lesões oculares e faciais, uso de armas de fogo contra civis e assassinatos. Eles identificaram 9 práticas das forças de segurança que violam os direitos humanos: uso de armas de fogo contra manifestantes; uso de armas para dispersar protestos; disparos com a arma Venom em zonas residenciais (um disparador rápido que fica em cima de tanques da polícia); uso de gases lacrimogêneos dentro de domicílios; policiais com placas de identificação ocultadas; uso de tortura e ilegalidades para liberar presos; agressões sexuais; lesões oculares; desaparecimentos forçados.

Protestos na Colômbia | Foto: Reprodução/CNN Brasil

O secretário do Departamento de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse em uma audiência no Congresso americano em Washington que está fazendo consultas com aliados e outros países para ter uma “abordagem comum” em um possível boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno de Beijing 2022, marcados para iniciar em fevereiro do próximo ano, por “preocupações com direitos humanos”. Em maio, a presidente da Câmara de Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, já havia proposto um “boicote diplomático” ao evento. Na época, o porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian, respondeu dizendo que a China já afirmou várias vezes que a politização do esporte vai contra a Carta Olímpica e os interesses dos atletas em todo o mundo. Disse também que os EUA usam essas práticas de diversionismo para usar a causa dos direitos humanos para desviar a atenção de seus próprios e atuais crimes contra os direitos humanos, além de tentar conter o desenvolvimento da China. A Missão de Observadores da União Interamericana de Organismos Eleitorais (UNIORE) se pronunciou dizendo que a eleição foi “organizada de maneira correta e com êxitos de acordo com os padrões nacionais e internacionais”.

Pequim será a sede dos Jogos de Inverno em 2022 | Foto: Divulgação

No Haiti, o governo anunciou um adiamento por tempo indeterminado do referendo constitucional que estava previsto para ocorrer no último dia 27 de junho. A alegação é de falta de controle sanitário ocasionada pela pandemia do novo coronavírus. Por trás disso, ocorre uma forte pressão social e críticas ao processo por sua unilateralidade. Há ameaças concretas de destruição dos materiais eleitorais como parte da revolta popular contra o governo Jovenel Moise que segundo a oposição tenta se esconder atrás desse referendo para aplacar a tensão no país. Moise governa desde 2020 com um parlamento e um judiciário esfacelados e quer uma nova constituição para legitimar medidas autoritárias e aumento do próprio poder. Com o texto a ser votado, o país voltaria a um regime presidencialista, podendo eliminar o Senado e outras medidas da mesma natureza.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, fez uma visita ontem (7) à Guatemala e faz hoje ao México. Na Guatemala, ela se reuniu com o presidente Alejandro Giammattei e o centro das reuniões foi em torno da migração de cidadãos centro-americanos para os EUA. A missão de Harris foi claramente a de tentar deter as ondas de migrações que são massivas e sistemáticas nos últimos anos, como várias vezes comentei aqui nas Notas. Outro tema muito tratado foi o da corrupção com a criação de um grupo de trabalho conjunto entre o governo da Guatemala e o Departamento de Estado dos EUA para apurar casos de corrupção que tenham nexo entre os dois países e a região centroamericana. Foram anunciados também valores que chegarão como apoio por parte da USAID, de 40 mi de dólares para “empoderamento de mulheres jovens”, 7,5 mi de dólares para o setor privado “apoiar empreendedores e inovadores”. Outros valores foram anunciados para áreas específicas. Harris fez ainda um apelo para que cidadãs e cidadãos da Guatemala não façam o percurso pelo México para entrar nos EUA. Ela disse: “não venham, não venham. Os EUA seguirão fazendo cumprir suas leis e vamos assegurar nossa fronteira. Há métodos legais pelos quais se pode migrar.” Na prática, a visita demonstra algo que Trump também fez, no sentido de instalar um verdadeiro preposto ou “avanço de fronteira” dos EUA na Guatemala, com financiamento do governo de plantão, para tentar criar uma barreira aos centroamericanos que seguem migrando para o norte em busca de melhores oportunidades de vida, fugindo do desemprego e da violência. De lá, ela voou para o México onde foi recebida no aeroporto pelo chanceler Marcelo Ebrard e mais tarde se reuniu com o presidente López Obrador.

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