Mergulhado em contradições, ministro da Saúde volta a depor na CPI

Marcelo Queiroga disse que tem autonomia no cargo para nomear seus assessores e decidir sobre as ações da pasta, mas não conseguiu emplacar o nome da médica Luana Araújo no comando da secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19

Marcelo Queiroga depõe na CPI da Covid (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

No primeiro depoimento à CPI da Covid, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse ter recebido carta branca de Bolsonaro para nomear seus assessores e decidir sobre as ações da pasta no combate à pandemia do coronavírus. Na semana passada, a infectologista Luana Araújo revelou aos senadores que havia sido vetada para o cargo de secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19 pela Casa Civil da Presidência da República. A fala colocou em xeque a suposta autonomia na pasta alegada pelo ministro, que voltará a depor nesta terça-feira (8) no colegiado.

Com entusiasmo, o ministro chegou a apresentar ao público a infectologista que tem um currículo respeitado e atuação com base em evidências científicas. Ela também tem posição contra o chamado tratamento precoce com o uso da cloroquina, medicação sem eficácia comprovada no trato da Covid-19. Apesar de ter trabalhado dez dias no cargo, a médica informou que foi comunicada pelo próprio ministro que sua nomeação não seria efetivada.

Além disso, ela afirmou que não recebeu justificativa pela desistência de sua contratação como secretária extraordinária. A Agência Senado levantou que, em audiência na Câmara dos Deputados, Queiroga afirmou que Luana Araújo era uma “pessoa qualificada”, e que tinha as condições técnicas para exercer “qualquer função pública”, mas que não foi nomeada porque, além de “validação da técnica”, era necessário “validação política”. Por isso, parlamentares esperam que o ministro responda sobre a sua real autonomia nesse retorno à CPI.

“Existe um gabinete negacionista, um grupo que continua impedindo que os melhores quadros da ciência brasileira possam contribuir no enfrentamento à pandemia”, afirmou o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que é autor de um dos requerimentos de convocação.

Queiroga também será questionado sobre a realização da Copa América no Brasil. “Ele estava ontem com o presidente da República inaugurando a Copa América”, disse o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM) no dia que anunciou a data do novo depoimento. Na ocasião, os parlamentares criticaram a decisão de o país receber o evento, a ser realizado entre junho e julho, diante de uma iminente terceira onda de covid-19 e após a Argentina desistir de sediar o torneio.

Para o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), o episódio é mais um sinal da falta de autonomia do ministro da Saúde. “Esse episódio da Copa América, em que ele se calou como ministro da Saúde e preferiu ser ministro do silêncio, demonstrou, de uma outra forma, que a autonomia realmente não existe”, disse Renan. 

O retorno de Queiroga já havia sido aprovado antes mesmo do anúncio da Copa América e do depoimento de Luana Araújo. Para Humberto Costa (PT-PE) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), autores de outros requerimentos, o primeiro depoimento de Marcelo Queiroga foi contraditório. 

“O depoimento foi contraditório em diversos aspectos. Um deles diz respeito à afirmação de que, na gestão dele, não há promoção do uso da hidroxocloriquina para tratamento da covid. Todavia, o ministro, até o presente momento, não revogou a portaria do Ministério da Saúde que prescreve o uso da medicação”, criticou Humberto Costa.

Gabinete paralelo

Após a divulgação do vídeo no qual o presidente aparece numa reunião, em setembro do ano passado, no Palácio do Planalto, sendo aconselhado por médicos, entre os quais o virologista Paolo Zanotto, que fez restrição ao uso de vacina, a CPI passou a mirar no chamado gabinete paralelo. Sob a coordenação do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que é médico, estava no encontro a imunologista Nise Yamaguchi, defensora do uso da cloroquina no tratamento da covid.

Os senadores querem ouvir Osmar Terra e o médico Paolo Zanotto. Terra é apontado como mentor intelectual do grupo. O requerimento para a convocação do virologista Paulo Zanotto foi apresentado por Randolfe Rodrigues. Segundo o vice-presidente da CPI, “parece haver certa intimidade entre o médico e o presidente Bolsonaro”. “Paolo Zanotto orienta o presidente a tomar ‘extremo cuidado’ com as vacinas contra a covid-19”, destacou.

Além dos dois, os senadores querem convocar a médica Ludhmila Hajjar, que rejeitou convite para ser ministra da Saúde. O depoimento dela é considerado importante para esclarecer os motivos pelos quais rejeitou suceder Eduardo Pazuello no cargo.

Quebra de sigilo

A CPI pode quebrar os sigilos telefônico e telemático de dois supostos integrantes do gabinete paralelo: o empresário Carlos Wizard e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República.

Wizard deve ser ouvido para esclarecer a suspeita de que seria um dos financiadores do “ministério paralelo da saúde”. O parlamentar quer apurar ainda se “houve acréscimo no patrimônio” de Carlos Bolsonaro, que foi “chamado a participar e opinar em decisões que devem ser tomadas pelo governo federal”.

Na quarta-feira (9), será tomado o depoimento de Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde. Ele era o braço-direito do ex-ministro Eduardo Pazuello na pasta. Na quinta-feira (10), será a vez do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), que vai explicar a crise do oxigênio pela qual o estado passou no início do ano.

Com informações da Agência Senado

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