MAC mostra a solidária arte italiana em tempos de pandemia

Museu de Arte Contemporânea da USP inaugura exposição com 40 obras de artistas engajados no combate à covid-19

Orientação Radical, de Aron Demetz, com obra de Tvboy ao fundo (à esquerda, foto: Sérgio Miranda), L’Abbraccio Più Forte, de Valério Berruti (ao centro, foto: Divulgação), e arte de Francesca Pinzari (à direita, foto: Divulgação)

Duas crianças se abraçam. Um menino e uma menina descalços. A imagem faz parte do projeto L’Abraccio Più Forte, do artista Valério Berruti, que deu os seus desenhos a quem fizesse uma doação para uma fundação italiana de assistência à pandemia. A arte solidária e criativa de Berruti e de outros artistas que também se organizaram em ações coletivas para auxiliar nesta crise sanitária integra a mostra Além de 2020. Arte Italiana na Pandemia. A exposição, que reúne 40 obras – entre pinturas, esculturas, fotografias, vídeos, instalações, histórias em quadrinhos e desenhos –, vai percorrer o mundo. Mas estreou no dia 29 de maio passado no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, instalado na cidade que tem a maior comunidade de italianos do mundo, cerca de 5 milhões de descendentes.

Da esquerda para a direita: Ana Magalhães, diretora do MAC, Michele Galdrone, diretor do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo, Fillipo Las Rosa, cônsul geral da Itália em São Paulo, e Lívia Satullo, cônsul adjunta da Itália em São Paulo – Foto: Sérgio Miranda

Organizada pelo grupo Arthemisia, a mostra tem a curadoria de Teresa Emanuele e Nicolas Ballario e apoio do Instituto Italiano de Cultura de São Paulo e do Consulado Geral da Itália em São Paulo. “Como museu público e universitário, é função do MAC abrir espaço à reflexão crítica e à experimentação artística”, observa a diretora do MAC, professora Ana Magalhães. “Com a presente exposição, acreditamos cumpri-la, na medida em que as obras e proposições exibidas são fruto de uma ação de engajamento do meio artístico italiano diante de uma situação que teve e ainda terá forte impacto na sociedade contemporânea.”

Ana explica que o MAC foi convidado a indicar um artista ou coletivo brasileiro para dialogar com as proposições da mostra. “Escolhemos o grupo Projetemos, que, com sua ação solidária de projeção em fachadas de todo o Brasil, teve papel fundamental no enfrentamento dos desafios que o ano de 2020 nos impôs.”

“A pandemia parece ter entregado nas mãos dos artistas a possibilidade de renomear a emoção para torná-la mais universal e compreensível.”

O visitante caminha entre as obras com a mesma sensação de estar entre pessoas. Há uma imposição de distância no planejamento do espaço. Mas ficam no ar as sensações dos italianos ao pintar, esculpir, fotografar e criar neste momento de crise do planeta. “A pandemia parece ter entregado nas mãos dos artistas a possibilidade de renomear a emoção para torná-la mais universal e compreensível. Não é esta, talvez para todos, uma extraordinária ocasião de redescoberta?”, questiona a curadora Teresa Emanuele. “Esta mostra no Brasil representa para muitos de nós, na Itália, a primeira ocasião de recomeçar a viajar, mesmo que só virtualmente. Espero que o espírito com que cada artista interpretou esse momento possa ser recebido e vivenciado.”

Um casal se beija apaixonadamente, apesar das máscaras. Ele de chapéu, capa vermelha, ela de vestido azul. Foram flagrados pelo artista de rua Tvboy em Amor nos Tempos do Coronavírus. A pintura estava colada em um muro da cidade de Milão com a técnica do estêncil, mas o autor a recriou para a mostra no óleo sobre tela. Tvboy representa o movimento italiano Neopop e usa o nome de um alter ego que criou. Suas intervenções são sempre de impacto social e político.

Matteo Basilé explora a natureza do ser humano – Foto: Divulgação

A escultura Orientação Social, de Aron Demetz, chama a atenção por representar a figura humana com suas inquietações existenciais. “Essa escultura surge neste período inesperado, de mudanças em direção ao desconhecido, mas também de um olhar para as raízes do nosso pensamento. Nossa contínua mutação se orienta de novo, mas talvez com um cuidado mais atento e seletivo”, esclarece Demetz.

Bruno Ceccobelli reconstitui o mito da serpente Anfisbena – Foto: Sérgio Miranda

O visitante tem na mostra diferentes técnicas e linguagens que expressam o desafio de registrar o impacto da covid-19. O artista Bruno Ceccobelli desenha em tecido com grafite, betume e gotas de sangue a serpente mitológica Anfisbena. “A serpente tem duas cabeças, uma que leva ao bem e outra que leva ao mal.” Com essa representação, Ceccobelli representa as duas verdades opostas. “Uma que mostra esse apocalipse epidêmico devido acidentalmente aos contrastes entre o homem e a natureza dos morcegos. A outra que aponta a manipulação genética. Quis ligar essas duas hipótese com estas imagens.”

Reflexões diversas sobre a natureza e o homem, a arte e ciência estão nas obras em tons críticos, de protesto, e poéticos. “É a voz da arte que se levanta com sua força expressiva, comunicativa e solidária”, comenta Fillipo La Rosa, cônsul geral da Itália em São Paulo. “Os artistas em Além de 2020. Arte Italiana na Pandemia contam, comunicam, denunciam. Cada um, conforme a própria natureza, se insurge da nossa dor que escutam, por vezes alimentam, e tantas outras vezes curam, tornando-se um instrumento de solidariedade, crítica e esperança.”

Com as nossas projeções pretendemos gerar pensamento crítico e empatia. Estar no MAC traz um olhar de reconhecimento estético para o que fazemos ”

O grupo Projetemos está no cotidiano da cidade de São Paulo desde o início da pandemia – Foto: Leila Kiyomura

Na última sala da exposição, o público conhece o trabalho do grupo Projetemos, que se formou quando começou a pandemia no Brasil. Com as suas projeções, iluminou fachadas e ruas. Despertou a esperança, protestou contra a falta de vacinas e incentivou a solidariedade. “Vida, Pão, Vacina, Educação” foi um dos recados que imprimiu em um dos prédios da cidade. Por essa força, o grupo foi selecionado para representar o Brasil e integrar a mostra italiana.

“A exposição Além de 2020. Arte Italiana na Pandemia é muito potente, traz um pensamento importante desse recorte temporal do ser humano no planeta”, explica o artista Mozart Santos. “Com as nossas projeções, pretendemos gerar pensamento crítico e empatia. Estar no MAC traz um olhar de reconhecimento estético para o que fazemos.”

Os trabalhos e a montagem do Projetemos no MAC têm a curadoria da paulistana Mamé Shimabukuro, que Mozart Santos define como uma “parceria de luz”. As projeções trazem o movimento da arte nos espaços da cidade para o interior da sala. Daí a apresentação de Translu(z)cidez.

“O olhar pode significar uma ampliação das perspectivas para uma reflexão atual”, explica Mamé. “Renovar a qualidade do olhar para o mundo dos fenômenos, através do sentimento de solidariedade e da consciência coletiva sob diferentes formas da representação à realidade do confinamento, transluz o Projetemos, diante dos desafios impostos pelo desenvolvimento científico, tecnológico e político.”

O grupo Projetemos representa o Brasil na mostra – Foto: Sérgio Miranda

A exposição Para Além de 2020. Arte Italiana na Pandemia, organizada pelo grupo Arthemisia, com a curadoria de Teresa Emanuele e Nicolas Ballario, fica em cartaz até 22 de agosto, de terça-feira a domingo, das 10 às 19 horas, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (Avenida Pedro Álvares Cabral, 130, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada grátis. É preciso fazer agendamento no site do MAC. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254.

Do Jornal da USP