Uso massivo de redes sociais pode ser danoso para sociedade e governo

Os professores Adrián Gurza Lavalle e Juliano Maranhão avaliam que dimensão tomada pelas redes liga sinal de alerta para o exercício democrático

Plataformas sociais são principal meio de disseminação de fake news -Foto: Rawpixel – Freepik

Já não é novidade que as redes sociais são peça importante no jogo político, seja ele nacional ou internacional. Capazes de definir campanhas eleitorais, as redes nos ambientes virtuais constituem elementos essenciais para que políticos possam se comunicar diretamente com a população. Esse caminho, muitas vezes sem qualquer tipo de intermediário, pode, porém, abrir brechas na saúde da democracia.

Alguns casos recentes podem ser usados como exemplo: o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump tem sua conta suspensa no Facebook desde janeiro deste ano. Naquela época, a plataforma indicou que o então mandatário norte-americano estava incitando a violência em seu espaço virtual após serem feitas associações entre o conteúdo que Trump postava e os ataques ao Capitólio nos Estados Unidos. O episódio aconteceu no dia 6 de janeiro, quando legisladores estavam certificando a derrota de Donald Trump na eleição presidencial, no momento em que apoiadores do ex-presidente invadiram violentamente o órgão do Legislativo estadunidense.

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro deve criar um decreto que limita a suspensão de posts e contas nas redes sociais por parte das próprias plataformas. Nos últimos meses, posts de apoiadores do presidente e do próprio Bolsonaro foram sinalizados negativamente ou até excluídos das redes sociais por desinformação ou por incitar atos antidemocráticos, por exemplo.

O que diz a lei?

Redes Sociais – Foto: Gerd Altmann por Pixabay

“Pelo Marco Civil da Internet, o provedor de aplicação somente pode ser responsabilizado por conteúdo veiculado na plataforma se descumprir decisão judicial que tenha determinado a retirada. Ou seja, pela legislação atual, ausente determinação judicial, os provedores têm discricionariedade para moderar o conteúdo veiculado conforme seus termos de uso, respeitando a liberdade de expressão”, explica o professor Juliano Maranhão, da Faculdade de Direito da USP.

Para o professor Adrián Gurza Lavalle da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, diante da dimensão que tomaram as redes, uma regulação desses meios é esperada: “A escala dessas plataformas é de tal magnitude que de fato os seus efeitos podem ser deletérios, podem ser danosos para a sociedade e para os governos. Essas plataformas cresceram sem regulação. Como qualquer fenômeno que atinge magnitudes imprevistas, ele posteriormente se torna objeto de regulação para os seus potenciais efeitos. Ocorreu assim com a TV, ocorreu assim com o rádio, e a sociedade aprendeu a regular o rádio e aprendeu a regular a TV”, afirmou, lembrando que muitas vezes as próprias plataformas se regulam, como fez o Facebook com Trump, para evitar imposições externas.

Redes sociais na política

O uso das redes por políticos não é novidade. Segundo o professor Lavalle, um dos primeiros casos de sucesso veio com o democrata Barack Obama, presidente dos Estados Unidos entre 2009 e 2017. Porém, ele nota que, hoje, esse espaço é ocupado predominantemente por grupos de extrema-direita. “O que é específico dessas lideranças é que elas aproveitam o caráter não regulado dessas redes para veicular conteúdos que seriam o que se chama de hate speech, ou discurso de ódio, incentivar a discriminação, discursos negacionistas, conteúdos que não têm qualquer fundamento. Então, existe um conjunto de informações veiculadas que só podem ser veiculadas nessas redes graças a esse caráter desregulado.”

O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), por exemplo, foi preso após publicar nessas redes um vídeo atacando e ameaçando magistrados do Supremo Tribunal Federal, defendendo a ditadura militar e o AI-5, um dos principais dispositivos de perseguição do regime.

Pela saúde da democracia

Sobre um controle do conteúdo veiculado em redes digitais, que ao mesmo tempo respeite a liberdade de expressão, mas que também impeça a proliferação da intolerância, o professor Maranhão indica o que ele chama de “autorregulação regulada”. “Nesse modelo, o Estado, de um lado, estabelece parâmetros mínimos para reconhecer oficialmente uma corte de resolução on-line de conflitos sobre conteúdo, que dê oportunidades de defesa para os dois lados, com uma composição representativa de diferentes setores da sociedade civil.”

Contudo, é preciso tomar cuidados com cenários em que a liberdade é instrumentalizada. Um caminho para isso seria recorrer à política. O professor Lavalle vê que esse é o caminho para garantir, acima da liberdade de expressão, a liberdade de informação, que, por sua vez, é importante para garantir que o cidadão seja autônomo para formar sua opinião, sem um conteúdo falso ou alternativas.

“É preciso regular exatamente porque a não regulação está comprometendo a forma como a liberdade de expressão está pensada ou deve servir à democracia. E, ao não regular, você está comprometendo os princípios básicos do papel da liberdade de expressão e da informação na democracia.”

Do Jornal da USP