Copa América no Brasil pode facilitar a propagação do coronavírus

Vacinação lenta e hospitais lotados mostram incoerência em relação à gestão da crise sanitária que atinge o país. Nestas circunstância o governo Brasil decidiu apoiar um evento que receberá milhares de pessoas. Isso facilita a propagação do coronavírus.

Especialistas em saúde não pouparam críticas à decisão do presidente Jair Bolsonaro apoiar a realização da Copa América no Brasil em meio ao caos hospitalar por causa da Covid-19. Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública da Fiocruz, considera que não faz sentido tirar a disputa da Argentina e realizá-la no Brasil.

“É só olhar os dados de infecção respiratória aguda grave para ver que ainda estamos num momento extremamente grave da pandemia. O número de casos novos continua muito alto, o que torna injustificável retirar da Argentina e realizar a competição no Brasil. Não faz sentido. Isso coloca em risco as delegações, os atletas, as equipes jornalísticas que farão a cobertura, todo o staff que estará envolvido nesse tipo de evento, e toda a população em geral. E isso em todo o país, porque haverá deslocamentos”, apontou.

Para ele, a postura do governo federal ao acolher o pedido da CBF manda um recado contraditório aos brasileiros, em um momento em que o país deveria elevar os esforços no combate ao vírus. “Qual a mensagem que estamos passando? Como conciliar a orientação de redobrar os cuidados para vencer o vírus e receber a Copa América? Nós estamos numa posição ainda muito distante de garantir proteção pela vacina, não temos condições de receber esse torneio”, salientou o pesquisador em saúde pública da Fiocruz. 

A notícia foi dada nas redes sociais pelos organizadores da competição, que expuseram um agradecimento ao presidente Jair Bolsonaro. Essa é a edição de 2020 do torneio, que foi adiada em razão da pandemia e que aconteceria na Colômbia, que vive uma convulsão social atualmente, e também na Argentina, que desistiu de ser sede do evento por causa do agravamento da crise sanitária.

“Foram nove meses para responder à Pfizer sobre vacinas e trinta minutos para responder à Conmebol. São bem estranhas as prioridades deste governo no enfrentamento à pandemia”, escreveu no Twitter o vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), também se posicionou nas redes sociais: “Com mais de 462 mil mortes, sediar a Copa América é um campeonato de morte. Sindicato de negacionistas: governo, Conmebol e CBF. As ofertas de vacinas mofaram em gavetas, mas o ok para o torneio foi ágil. Escárnio.”

A CPI deve analisar nos próximos dias os pedidos de convocação de representantes da CBF sobre as tratativas feitas com o governo brasileiro. No Supremo Tribunal Federal (STF) já há ação para suspender os preparativos para a Copa América no Brasil.

Surgimento de novas variantes

Além do deslocamento das seleções e esgotamento da rede hospitalar, uma das preocupações dos médicos é com a propagação de novas variantes do coronavírus. “Outro ponto que é importante a gente lembrar é que a manutenção desse número extremamente elevado de casos aqui no Brasil é um convite ao aparecimento de novas variantes. Porque isso é da biologia, do processo natural de evolução dos vírus. Cada vez que eles estão se multiplicando no organismo de uma pessoa infectada, eles estão sofrendo pequenas mutações. E assim, quanto maior número de casos, maior risco de que surja uma mutação resistente às atuais vacinas”, explica o pesquisador em saúde pública da Fiocruz.

O risco, segundo ele, é a coincidência de uma mutação com o torneio. “E se a gente dá o azar de ter o surgimento de uma variante justamente no momento em que estamos realizando a Copa América, isso pode ser justamente um facilitador para a disseminação dela. Então são diversos fatores aí que, combinados, pintam um cenário que, de novo, não se recomenda a realização da Copa América no Brasil neste momento”, conclui Marcelo Gomes.

Com informações da RFI

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