Copa América: Bolsonaro expõe o País para salvar a Conmebol

Cancelamento do torneio (mesmo sem torcida) significaria um rombo ainda maior nas contas da entidade

A Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) chegou a cogitar o cancelamento da Copa América de 2021, devido à pandemia do novo coronavírus. Sem público nos estádios, o torneio seria inevitavelmente deficitário. Ao fazer as contas, porém, a entidade concluiu que o cancelamento da competição traria ainda mais prejuízos.

Como os governos da Colômbia e da Argentina abriram mão de sediar os jogos, faltava encontrar um chefe de Estado que ignorasse os riscos sanitários e socorresse a Conmebol. Este foi o deplorável papel do presidente Jair Bolsonaro ao aceitar trazer um megaevento do porte da Copa América para o Brasil. O torneio será disputado no Distrito Federal e em mais quatro estados – Goiás, Mato Grosso e Rio de Janeiro já foram definidos.

É certo que o fluxo de delegações nos aeroportos, hotéis e estádios tende a dificultar ainda mais o controle da pandemia no País. “Não estamos em uma situação segura para receber quem vem para cá e nem podemos garantir segurança”, declarou, em entrevista à CartaCapital, a epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “É o mesmo negacionismo que estamos vivendo desde o início por parte desse governo.  É mais uma negação da pandemia e da ciência, que, a todo mundo, diz que não há condições necessárias para a realização do evento.”

Segundo ela, é descabida a comparação entre a Copa América e outros campeonatos em curso no continente, como a Libertadores da América, a Sul-Americana e os campeonatos nacionais. Ainda assim, diz ela, era preciso interromper todos os torneios no momento – e uma Copa América no Brasil não deveria nem sequer ser especulada.

“É um pensamento muito primário, na mesma lógica do ‘já que estamos fazendo tudo errado, por que não fazemos mais uma coisa errada?’”, diz Ethel. “Esses torneios já foram amplamente criticados – os campeonatos colocaram muitas pessoas em risco. Não é porque estamos fazendo uma coisa errada que devemos cometer mais um.”

Rombo financeiro

Reportagem do Estadão publicada nesta quarta-feira (2) aponta as cifras que motivaram o pacto entre Conmebol e Bolsonaro. A Copa América de 2019, realizada no Brasil, foi lucrativa: custou US$ 108 milhões (R$ 609 milhões), mas faturou US$ 118,2 milhões (R$ 629 milhões) em “ações de publicidade, licenciamentos, patrocínios e bilheterias, principal fonte de receita”.

Já em 2021, a Conmebol terá de gastar mais com a Copa América – cerca de US$ 122 milhões (R$ 637 milhões). Mas, sem a presença de público nos jogos, a entidade não poderá contar com receitas da venda de ingressos. O torneio vai deixar um rombo financeiro para os cartolas sul-americanos.

Por que, então, não cancelar ou adiar o evento?

A explicação segue no campo financeiro. Parte do orçamento da Copa América 2021 já foi executada na fase de preparação do torneio, conforme explica Renê Salviano, especialista em novos negócios do esporte. Os patrocínios e os contratos de transmissão, por exemplo, são fechados com antecedência – mas não só. “Equipe contratada para planejamento e organização, contratos de fornecedores, logística, patrocínios vendidos e vários outros custos incidem em uma grande produção deste nível. O apito do primeiro jogo é apenas a parte final de um evento”, declarou Salviano ao Estadão.

Assim, a aposta da Conmebol não tem a ver com futebol – mas, sim, com a redução dos prejuízos. “O cancelamento do torneio (mesmo sem torcida) significaria um rombo ainda maior nas contas”, indica o Estadão. “As cotas de patrocínio costumam ajudar a custear ações que acontecem antes de um evento, como ativações de publicidade, estrutura de venda de ingressos, transporte e hospedagem. Se houver cancelamento, os patrocinadores pedirão o ressarcimento dos valores.”

Se realmente acontecer, a Copa América 2021 se estenderá de 13 de junho a 9 de julho, num período em que o País está sob a ameaça da terceira onda da pandemia. Faz sentido expor o Brasil para salvar a Conmebol?

“A Copa América no Brasil é um deboche e um desrespeito com as 460 mil famílias em luto no país”, resumiu, no Twitter, o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). “A decisão foi tomada exatamente no momento em que a terceira onda se inicia. Como fã de futebol, lamento que o esporte esteja cada vez mais se afastando do povo.”

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