Especialistas reprovam Copa América no Brasil e governos se manifestam

Médicos alertam para os riscos do evento internacional durante crise sanitária e estados se movimentam para receber ou não os jogos

Infografia Globoesporte

O anúncio da realização da Copa América 2021 no Brasil apenas 12 horas após Argentina oficializar a impossibilidade de sediar o evento surpreendeu médicos, gestores de clube de futebol e governadores. O Brasil enfrenta aumento casos e mortes por Covid-19 logo após um período de estabilização em um patamar muito elevado, próximo à duas mil mortes diárias. No último sábado (29), a população foi às ruas protestar contra o governo de Jair Bolsonaro e a inexistência de políticas de combate à pandemia.

A Copa América estava inicialmente programada para ocorrer na Argentina e na Colômbia, mas os países comunicaram à entidade que organiza a competição, a Conmebol, que não seria possível sediar a disputa em meio ao caos sanitário e político, respectivamente.

Médicos especialistas

O Brasil mantém um número alto de casos e mortes por dia, com a replicação do coronavírus com tendência de estabilização em um platô elevado. Receber uma competição internacional deve aumentar as viagens dentro do país, com elevação da taxa de contágio e possível surgimento de novas cepas.

A Argentina, que se recusou a realizar o evento, tem cerca de 45 milhões de habitantes e registrou até agora mais de 76 mil mortes. O Brasil tem 211 milhões e mais de 462 mil mortes, o que representa mais mortos em números absolutos e proporcionais.

A médica epidemiologista e atual vice-presidenta do Sabin Vaccine Institute, Denise Garrett, comentou a decisão nas redes sociais e atribuiu a falta de controle da pandemia como fator decisivo na escolha da sede do evento esportivo.

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), classificou como “deboche” e “desrespeito” a realização do evento no Brasil neste momento.

O infectologista Bruno Ishigami, que faz parte da equipe do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, uma das unidades no Recife que é referência para atendimento de infectados pelo coronavírus, reprovou a decisão de sediar a Copa América em meio a uma “catástrofe sanitária”.

O médico e advogado sanitarista, Daniel Dourado, rejeitou a comparação entre manifestações e a realização do evento esportivo feita por apoiadores do governo. Para o médico, “não tem nenhum cabimento comparar”.

O médico epidemiologista e intensivista, professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo, e a bióloga e pesquisadora Natália Pasternak, em suas redes, também condenaram a escolha do Brasil no momento atual para receber os jogos, delegações e torcidas de países vizinhos.

Em abril, a Conmebol recebeu 50 mil doses de imunizante contra a Covid-19 do laboratório Sinovac para vacinar jogadores e comissões técnicas com o intuito de garantir a realização de torneios internacionais no continente. Os atletas serão vacinados sem considerar o Plano Nacional de Imunização, mas não há uma regra explícita contra vacinação com imunizantes obtidos fora do país.

Estados

O único estádio de futebol confirmado para receber a competição por enquanto é o Mané Garrincha, em Brasília. O plano da Conmebol é realizar a maior parte dos jogos iniciais em estados em que os clubes não estejam disputando a Série A do Campeonato Brasileiro, como é o caso da capital federal. Para a fase final, a Conmebol gostaria de jogos concentrados em São Paulo, Brasília e no Rio.

Contrários

Fátima Bezerra (PT-RN), governadora do Rio Grande do Norte, estado cotado para receber a competição, já afirmou que não há “segurança epidemiológica para realização do evento”.

Em nota, o governo de Pernambuco também se antecipou ao contato da CBF e declarou que “o atual cenário epidemiológico não permite a realização de evento do porte” no território.

A favor

O estado de São Paulo (SP), governado por João Dória (PSDB), por sua vez, publicou uma nota afirmando que “o Governo de São Paulo não fará objeção caso a CBF defina São Paulo como um dos locais de jogos da Copa América, desde que os protocolos do Plano São Paulo sejam obedecidos”.

Ibaneis Rocha (MDB), governador do Distrito Federal, disse ao “Metrópoles” que “não haverá resistência” da sua parte para a realização do evento em Brasília. O presidente da Comissão Especial da Vacinação Contra Covid-19 no DF, deputado Fábio Félix (PSol-DF), pediu ao GDF que Brasília não seja uma das sedes dos jogos da Copa América e encaminhou ofício ao governador alegando que a capital vacinou apenas 10% da população com a segunda dose.

No Amazonas (AM), a Fundação Amazonas de Alto Rendimento (FAAR), que administra a Arena Amazonas, afirmou que o local pode receber os jogos, inclusive com público, respeitando protocolos. As autoridades locais ainda não se manifestaram;

No Mato Grosso (MT), a Arena Pantanal está disponível para ser utilizada de acordo com Alberto Machado, Secretário de Cultura, Esporte e Lazer do estado. Segundo o político, o governador Mauro Mendes (DEM-MT) está em contato com a CBF para articular o uso do estádio na competição.

Rui Costa (PT), governador da Bahia, reconheceu a possibilidade de sediar jogos da competição no estado, mas afirmou que será mantida a proibição de torcida: “Não há possibilidade de flexibilizar regras para que a Bahia seja sede. Seguiremos o mesmo padrão em relação ao futebol. Não será permitido público. Se a exigência é ter público, aqui na Bahia não terá”.

A posição do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo-MG), é similar à de Rui Costa. Ele está preocupado com o momento de crise sanitária, mas não descarta a realização dos jogos com portões fechados. “Num momento de pandemia, em que os hospitais ainda continuam com um nível de ocupação extremamente elevado e que a possibilidade de uma terceira onda não está descartada, avalio como não prudente fazermos qualquer evento que tenha aglomeração. Gostaria muito que isso pudesse ser postergado”, afirmou o governador em entrevista à CNN. “Sem público, menos mal”, completou Zema.

Outros

No Rio Grande do Sul, ainda não há um movimento claro. O governador Eduardo Leite (PSDB-RS) afirmou em nota que “seria inoportuno realizar a competição no Estado e no Brasil neste momento”, mas o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), afirmou que houve uma conversa preliminar com a CBF e é preciso “construir com Governo e sociedade”. O presidente do Grêmio, Romildo Bozan Júnior, posicionou-se contrário à disputa da Copa América no Brasil e não deve ceder a Arena Grêmio, no Rio Grande do Sul, para receber partidas da competição internacional. A Federação Gaúcha diz que “andamento e decisão cabem à Conmebol e CBF”.

No Rio de Janeiro ainda não houve manifestação das autoridades competentes, mas o Flamengo declarou que irá pedir a suspensão do campeonato brasileiro caso ocorra jogos no Maracanã, estádio em que o clube recebe seus adversários.

Cobertura do Futebol

Jornalistas experientes que participam da cobertura futebolística no país condenaram a falta de sensibilidade e reprovaram a decisão tomada pela Conmebol e governo brasileiro.

Uma das falas mais enfáticas foi a do narrador Luís Roberto, do Grupo Globo, que desabafou durante o programa Seleção, transmitido pelo canal SporTV.

O comentarista Paulo Vinícius Coelho, que atuou em diversas emissoras de televisão, rechaçou as comparações entre as competições nacionais e internacionais e questionou o compromisso assumido pelo Brasil para a Copa América.

O jornalista Juca Kfouri , ao criticar a decisão em seu blog, comentou que “a Conmebol enfim encontrou sua alma gêmea” na presidência do Brasil.

Premiação e prejuízo

A competição envolve grandes patrocínios de empresas privadas. Caso o evento fosse confirmado sem a presença de público e sem a participação das convidadas Austrália e Catar, a Conmebol estimava um prejuízo de US$ 30 milhões.

Após conversa com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o presidente Jair Bolsonaro, a entidade confirmou a realização do torneio com data de início em 13 de junho. Ainda não estão decididas as cidades sedes e se haverá torcida, mas Austrália e Catar não devem comparecer à competição.

De acordo com o comunicado da instituição no mês passado, o campeão da Copa América irá receber US$ 10 milhões (cerca de R$ 57 milhões), além dos US$ 4 milhões (quase R$ 23 milhões) que cada seleção recebe por participar do torneio.

A escolha pelo Brasil, além de ser um dos poucos que aceitavam realizar o torneio, deveu-se também pela realização no Brasil da última edição da Copa América, em 2019.

Com informações de UOL e Globoesporte