Só a luta muda a vida, por Clara Lima

O governo Bolsonaro precisa cair, mas ele não cai de maduro

Foto: Laerte/ Coletivo Resistência

Nossa organização socioeconômica, o capitalismo, é estruturada a partir de uma contradição fundamental: a contradição entre capital e trabalho. A realidade é contraditória, isso não é um problema. Na verdade, é a priori, um fato. A consequência dessa constatação é que toda e qualquer análise séria da realidade deve conceber o complexo, compreender suas contradições, apreender suas multi-determinações. Não existem respostas fáceis.

A práxis é um desafio.

As ações concretas, vistas a olhos nus, são precisas, precisam ser; mas o caminho que nos leva até elas nem sempre é simples.

Às vezes, a depender da conjuntura, as contradições podem se sobressair mais, os dilemas se acentuam…  Quando é o caso, exige-se um rigor maior de nossas bases de análise, paciência também e – por que não? – firmar, refrescar à memória princípios fundamentais que nos orientam para o sentido da luta.

Hoje, se não alcançarmos esse Brasil com um olhar mais esforçado, mais amplo e profundo, se nos restringirmos ao superficial, muita coisa vai escapar. E as conclusões vão ser, no mínimo, insuficientes, quando não enganosas. As consequências concretas, desastrosas. Por isso, é necessário estar à altura do momento histórico de tamanha responsabilidade, pôr o dedo na ferida e agir prontamente.

Precisamos, então, ir além da forma e atentar ao conteúdo: falamos para todes “ficarem em casa” (forma). Mas como isso de fato acontece? (conteúdo).

Atenção aqui: antes de qualquer manifestação Fora Bolsonaro acontecer, a contradição do discurso já estava dada na realidade. Percebe? Pode não ser a sua realidade, de classe média, classe média alta. Mas é a realidade da grande maioria do povo brasileiro.

O auxílio emergencial, que daria condições mínimas para o “ficar em casa” acontecer, ou é cortado ou é pífio, ainda mais com a inflação do jeito que está. Então, a classe trabalhadora desse país aglomera todos os dias em transporte público para ir ao trabalho – também aglomera no próprio trabalho.

Não existe distribuição para a população de materiais de proteção de qualidade – máscaras boas, PFF2. O Governo Federal literalmente boicota compra de vacinas. A vacinação acontece a passos lentos, com uma logística péssima – de novo, graças ao esforço do Governo Federal em fazer de um dos países, até outro dia, exemplo de vacinação no mundo, um dos principais epicentros do vírus, atualmente.

Operações policiais e despejos continuam a acontecer no contexto de uma pandemia. Inclusive, aumentaram, em certas regiões.

A situação é essa: pessoas estão morrendo de todas as formas possíveis porque o que existe é um claro, evidente, cristalino projeto de promoção de morte em massa. Ou seja: genocídio.

Dois anos se passaram e vamos de mal a pior, nessa situação descrita. As instituições? Não são entidades metafísicas, suspensas no Olimpo da neutralidade e da justiça; são atravessadas por relações de poder contraditórias e assim se comportam e se comportarão. Ou vocês realmente acham que é “falha técnica” o impeachment da Dilma ter saído rapidinho e os pedidos de impeachment do Bolsonaro (127) estarem travados na Câmara dos Deputados?

Há disputa dentro das instituições, sim, mas é preciso saber que nós já entramos nesse campo de batalha com certas desvantagens. Não podemos ir de fé cega. Só a luta muda, de verdade, a (nossa) vida. A Constituição de 1988, maior exemplo de vitória institucional, surgiu com muito sangue derramado na luta contra a ditadura; todo o processo de redemocratização foi também conquista da luta do povo organizado, mobilizado, e de movimentos sociais.

Como agir diante de um número de mortes que não para de crescer? Estão nos matando. Como parar as mortes?

O governo Bolsonaro precisa cair. Mas ele não cai de maduro, não, gente.

E de novo: cruzar os braços e permanecer de fé cega nas instituições é tiro no pé. Foram dois anos… o que as instituições estão esperando? Um milhão de pessoas mortas de morte matada?  Nós, certamente, não esperaremos.

Se, por um lado, entramos em desvantagem nos espaços feitos e ocupados majoritariamente por eles, por outro lado, a rua é nossa. Sempre foi.

Ainda assim, recorremos a ela como última saída. Como última – e única eficiente, sabemos – forma de sermos ouvides.

E olha só, pessoal, a luta política pode impor uma margem de risco, sim. Em situações extremas – guerras, genocídios em curso, regimes ditatoriais – é isso que acontece.

Ainda assim, trabalhamos com a redução de danos, de riscos. Fizemos e faremos o possível e o impossível para garantir o máximo de segurança nos atos porque sabemos de que lado estamos. Querem nos igualar aos bolsonaristas, que foram às ruas por serem negacionistas, pelos motivos exatamente opostos que nos levaram às manifestações no dia 29 – como último recurso, como um basta definitivo. Quem opta pela confortável zona da omissão ou do silêncio; quem constrói essas falsas e desonestas simetrias: a omissão de vocês já é posicionamento, o silêncio de vocês grita e a narrativa desonesta é porque – sabemos! – vocês têm medo. Medo do povo forte, unido, se impondo no espaço público.

Por fim, damos o nome: passividade diante de genocídio é cumplicidade.

O papo é esse. Se não lutarmos, as mortes continuarão.

“Ah, vamos esperar mais pessoas estarem vacinadas”. Já esperamos! O tempo já foi!

Estamos em mais de 450 mil mortes.

O momento é agora.

Vamos às ruas em condições ideais? Não.

Porque as condições ideais não existirão se não formos às ruas. Eis o (cruel) paradoxo!

Há esforço para garantir o máximo de segurança possível nos atos? Sim. Demais.

Precisamos bancar essa luta.

A luta pela vida.

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