A China e a “nova fronteira das ciências sociais”

O desenvolvimento chinês entrega possibilidades imensas de novos aportes ao socialismo científico.

Não seria nenhum exagero dizer que o movimento ensejado pelo desenvolvimento econômico recente na China deve ser objeto de uma série de discussões de fundo teóricas. A principal delas deve se referir a qual forma histórica se remete o socialismo em nossos dias após mais de 120 anos de publicação do “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels e 104 anos da primeira revolução socialista da história.

Para nós do Partido Comunista do Brasil, o marxismo não é um dogma, uma religião, algo que não evolui com o tempo. O próprio Marx alertava ao fato de o socialismo ser uma ciência, logo devendo ser tratado como ciência. E neste aspecto o desenvolvimento recente chinês nos entrega possibilidades imensas de novos aportes ao socialismo científico enquanto ciência que´, dentre outras formas, se alimenta da teoria e da prática do exercício do poder político.

Vamos além, pois acreditamos que o desenvolvimento econômico recente chinês empurra para frente a chamada “fronteira das ciências sociais”. Sustentamos isso baseado no pressuposto da não separação entre teoria e história. Na verdade, a separação entre teoria e história tem produzido um imenso gap teórico no ocidente em relação às possibilidades teóricas abertas pelo processo em curso na China.

Essa nova fronteira das ciências sociais aberta pelo desenvolvimento econômico chinês é fruto de grandes inovações tecnológicas disruptivas ocorridas no seio das grandes empresas estatais chinesas que têm elevado a capacidade de planificação econômica da China a patamares superiores, jamais imaginados pelos pioneiros da ciência da planificação. O espraiamento da utilização de plataformas como o Big Bata, o 5G e a Inteligência Artificial tem sido fundamental na consolidação de um governo amplamente baseado na ciência.

Ter como base a ciência por um poder político de tipo socialista é explicativo sobre como a China tem enfrentado com sucesso absoluto os grandes dramas de nossas sociedades modernas. A superação rápida da pandemia do Covid-19, a construção de 40.000 quilômetros de trens de alta velocidade em apenas 20 anos e a erradicação da pobreza extrema são demonstrações não somente da superioridade do socialismo sobre o capitalismo. São demonstrações do socialismo cuja forma histórica em nosso tempo pode ser percebida na transformação da razão humana em instrumento de governo. Essa forma histórica é o que distingue o socialismo do capitalismo em nossa era.

O caminho percorrido pela China a esta forma particular de socialismo é muito interessante e nos remete à necessidade de ressignificação de alguns conceitos marxistas. Por exemplo, uma visão mais holística do conceito marxista de formação econômico-social nos permite observar a socialismo de mercado que surge na China a partir das reformas econômicas de 1978 como uma “nova formação econômico-social” caracterizada pela convivência de diferentes formas de produção e de troca, sendo a socialista predominante. Inovações institucionais frequentes têm dado conteúdo qualitativo a esta “nova formação econômico-social”. Não é exagerado afirmar que esta “nova formação econômico-social” que emerge na China é a engenharia política, econômica e social mais avançada de nossa época histórica.

Urge aos cientistas sociais comprometidos com a transformação radical da sociedade estudar e compreender as novas regularidades que integram a coerência interna desta “nova formação econômico-social”. É sabido que o amplo domínio da propriedade pública sobre as grandes empresas e os grandes bancos abrem imensas possibilidades ao desenvolvimento humano. Atualmente a China encontra-se diante de um processo histórico onde a ampliação do domínio humano sobre a natureza tem possibilitado superar problemas crônicos das sociedades capitalistas. A propriedade pública sobre os pontos estratégicos da economia retira do setor privado o poder sobre o investimento. Isso significa que a China superou uma grande fonte de contradições que giram em torno da chamada incerteza keynesiana. Está aí uma lei do desenvolvimento socialista que a China entrega à humanidade.

O socialismo chinês, visto como expressão máxima da transformação da razão em instrumento de governo, está inaugurando uma fase que claramente coloca o desemprego como uma circunstância restrita ao capitalismo. Na China a atuação consciente de milhões de engenheiros e economistas de projetos está permitindo a abertura de condições para e geração anual de 13 milhões de empregos urbanos por ano. A ciência da planificação econômica, auxiliada pelas já citadas inovações tecnológicas disruptivas, é instrumento fundamental de uma racional transição entre uma sociedade baseada na pequena agricultura a outra, baseada na indústria e no pleno emprego de tecnologias de alta sofisticação. Isso não ocorreria sem traumas no capitalismo, gerando o surgimento de bolhas imensas de miséria e desemprego urbanos. Na China, ocorre o contrário!

Enfim, eis alguns aspectos que o Partido Comunista do Brasil busca trazer a este encontro. Cientes da missão histórica de nosso papel na difícil conjuntura brasileira, buscando inspiração na ação prática de construção do socialismo na China e, principalmente, fazendo notar as grandes possibilidades de avanço da teoria abertas por esta experiência.

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