Pandemia: contratos da gestão Pazuello têm indícios de corrupção

Militares não fizeram licitação para escolher empresas que reformariam prédios antigos, usando a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes para o Ministério da Saúde

Enquanto estava sob o comando do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde do governo Jair Bolsonaro firmou uma série de contratos no Rio de Janeiro com indícios de fraudes. A denúncia de corrupção foi feita nesta terça-feira (18) pelo Jornal Nacional (JN), da TV Globo. Segundo a reportagem, militares não fizeram licitação para escolher empresas que reformariam prédios antigos, usando a pandemia como justificativa para considerar as obras urgentes.

Um dos contratos classificados como urgentes previa a reforma, sem licitação, de um galpão para guardar arquivos. A decisão foi tomada em novembro de 2020 por gestores nomeados por Pazuello.

Meses antes, em junho, o general que comandava a Saúde tinha reforçado a presença de militares na Superintendência Estadual do ministério no Rio, ao nomear o coronel da reserva George Divério para o cargo máximo. Antes disso, o coronel dirigia uma fábrica de explosivos. Em novembro, com um intervalo de dois dias, Divério autorizou duas contratações sem licitação que somam quase R$ 30 milhões. Só para a reforma dos galpões na Zona Norte do Rio, quase R$ 9 milhões.

Dois sócios da LLED Soluções, a empresa escolhida para a reforma, se envolveram num escândalo em contratos com as Forças Armadas. Fábio de Resende Tonassi e Celso Fernandes de Mattos eram donos da Cefa-3, que fornecia material de informática para a Aeronáutica, em 2007. Uma investigação mostrou que o material vendido não foi entregue, numa fraude aos cofres públicos de mais de R$ 2 milhões.

No longo processo na Justiça Militar, Fábio Tonassi foi condenado à prisão em terceira instância, mas segue recorrendo em liberdade. A empresa CEFA-3 está proibida de celebrar contratos com o governo federal por cinco anos, até 2022. Mas os mesmos sócios simplesmente abriram uma empresa nova, a LLED.

Eles continuam apresentando as Forças Armadas como principais clientes. Só no governo Bolsonaro, a empresa ganhou R$ 4 milhões em contratos. A sede da empresa não tem nem nome na porta. O único letreiro é meio abusado: ‘Ga-ra-gem, sabe ler?’ Mesmo quem sabe não consegue ler o contrato da empresa com o governo federal.

O processo de reforma dos galpões é mantido em sigilo no portal público do Ministério da Saúde, postura criticada pelo advogado e professor Carlos Ari Sundfeld, um dos principais especialistas em contratos públicos do país: “No caso da pandemia, como se autorizou, em algumas situações, a fazer contratos sem licitação, a lei exigiu ainda mais transparência, mais rapidez em colocar as informações – todas elas – à disposição do público. Se as informações não estão disponíveis, tem alguma coisa errada”.

Ao procurar os contratos secretos, o Jornal Nacional também encontrou indícios de fraudes numa obra ainda maior e bem mais cara. Também em novembro de 2020, o coronel George Divério autorizou uma reforma completa na sede do Ministério da Saúde no Rio, por quase R$ 20 milhões, novamente sem licitação

A obra foi considerada urgente com os mesmos argumentos usados no galpão. Ou melhor – mesmíssimos argumentos, incluindo longos trechos idênticos. É difícil entender a urgência de vários itens do projeto. Por exemplo: iluminação automática de LED na fachada, por R$ 1 milhão, e até a reforma do auditório, com 282 poltronas novas, a R$ 2,8 mil cada uma.

“Numa pandemia, é urgente contratar remédios, contratar equipamentos, contratar profissionais que atendem diretamente a população. Mas não é urgente reformar prédios públicos para fins burocráticos e outras finalidades que são comuns, são do dia a dia da administração”, afirmou Sundfeld. “Essas coisas não podem ser contratadas sem licitação sob o pretexto de que estamos numa pandemia.”

A empresa escolhida, sem licitação, para uma obra de R$ 20 milhões fica numa área dominada pela milícia no município de Magé, na Baixada Fluminense. À primeira vista, parece uma empresa pequena para uma obra tão grande.

Jean Oliveira é o dono e o único gestor da SP Serviços, que está inscrita na Prefeitura de Magé como microempresa. Mesmo assim, por telefone, ele disse que a empresa teria condições de fazer a obra: “Eu tenho caminhão caçamba, tenho duas vans, eu tenho retro. A empresa hoje tem 16 equipamentos. Eu ia vender uma parte dessa frota para você iniciar ela, mas eu tenho caixa também”.

Os únicos contratos da SP Serviços com a União tinham sido com a Imbel, Indústria de Material Bélico, ligada ao Exército. Mais exatamente, com a fábrica da Estrela, a fábrica de explosivos que, na época, era dirigida pelo coronel George Divério, o homem nomeado por Pazuello para comandar o ministério no Rio. Divério contratou três vezes a empresa de Jean Oliveira sem licitação.

Diante de tantos indícios, a Advocacia-Geral da União não aprovou as duas dispensas de licitação. Depois de assinados, os contratos da reforma no ministério e nos galpões foram anulados. Mesmo assim, a AGU quer que a investigação continue para verificar se há indícios de conluio entre os servidores e a empresa contratada.

Os pareceres reconhecem que os prédios precisam de reformas, mas afirmam que agora só seria possível fazer obras ligadas à segurança e nada mais. Durante uma pandemia, enquanto seres humanos lutam pela vida, até as paredes sabem que elas podem esperar.

Com informações do G1