Negros não têm vez no alto escalão das Forças Armadas

Apenas três dos 228 integrantes da elite da Marinha e da Aeronáutica se declaram pretos

Sem estímulo à diversidade, as Forças Armadas brasileiras praticamente só permitem o acesso de homens brancos ao topo das carreiras militares. Conforme documentos da Marinha e Aeronáutica, obtidos pelo jornal O Globo via Lei de Acesso à Informação, apenas três integrantes da elite dessas Forças se declaram pretos, em um universo de 228 militares do alto escalão.

A representação negra na elite militar é apenas um quinto da encontrada na sociedade brasileira como um todo. Entre os oficiais-generais da ativa (nomenclatura que contempla o topo das três Forças), apenas 1,75% são pretos – número que vai a 9,4% na população geral. Todos os negros no alto escalão estão na Força Aérea, e nenhum deles ostenta quatro estrelas – o grau máximo que um oficial da elite pode atingir.

Estudo sobre representatividade racial nos espaços decisórios da Aeronáutica, publicado no ano passado pela Escola Nacional de Administração Pública, apontou a ocorrência de “um importante quadro de desigualdade racial” na “distribuição de espaços de poder” da Força Aérea. O trabalho menciona que não se trata de uma particularidade – mas o “retrato fiel do quadro de exclusão social presente no Brasil”.

Em países com debate público sobre igualdade racial nas Forças Armadas, como os Estados Unidos, oficiais de cor preta representam 9% dos comandantes da instituição, percentual mais próximo à representação negra na população norte-americana — 13%, segundo o último Censo.

Diretor-executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), o advogado Daniel Silveira ressaltou que a própria ausência de dados sobre militares em postos de comando reduz a capacidade de modificação do cenário. “A negação de discussão se equivale à negação da construção de um país mais inclusivo”, afirma. “Considerando que as Forças Armadas também são instituição pública e empregadora, você não pode simplesmente excluir dos espaços mais empoderados a população negra. Ela também quer se ver refletida neste espaço de decisão.”

Silveira diz ser importante reconhecer que os pontos de partida para acesso a oportunidades não apenas no Exército, Marinha e Aeronáutica, mas em toda sociedade, são diferentes para cada grupo. “O próprio STF já afirmou que uma meritocracia que não considera os diferentes pontos de partida equivale a uma espécie de aristocracia velada.”

Com a experiência de quem discute a desigualdade entre pretos e brancos no mundo corporativo, o sociólogo Mário Rogério, do Ceert, avalia que, conforme uma pessoa preta avança na hierarquia, mais discriminação sofre. “Ocupar este lugar (de comando) não foi algo pensado para o negro. Atuar como soldado raso, fazer comida, cuidar da limpeza, este foi o lugar pensado para ele”, aponta Rogério, acrescentando que é “difícil ter voz de defesa” quando se está isolado.

A progressão na carreira militar ocorre por critérios diversos, como concurso público, antiguidade, experiência medida por pontuação e escolha direta de superiores hierárquicos. Desde 2014, a lei prevê cota de 20% das vagas para pretos e pardos em concursos para a administração pública federal. Mas as Forças Armadas resistiram à previsão de vagas até 2018, quando foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal. A medida tem efeito inclusive sobre o acesso a concursos dentro das corporações.

“As cotas raciais foram um incentivo, mas quando isso vai se equilibrar? É daqui a dez, 15 anos. É uma herança do passado, da falta de oportunidade”, sugere o contra-almirante negro Sérgio Gago Guida, que está na reserva. Embora diga nunca ter se sentido vítima de preconceito ao longo da careira militar, ele avalia que a “falta de oportunidade” e a má qualidade da educação em regiões periféricas contribuem para a baixa diversidade.

No Exército, o general-de-brigada André Luiz Aguiar Ribeiro é o único de cor preta entre os 172 da elite. Procurado, ele afirmou que só poderia tratar do tema com autorização do Exército, o que não ocorreu.

Com informações do O Globo