A estrada deve ir além do que se vê!

Crise, emergência de novos paradigmas… É preciso romper com dogmas e dar lugar ao estado de poesia, à rebeldia.

“Vou te contar
Que tudo, um dia, vai passar
Essa falta de dinheiro, essa crise, esse governo
Esse grito preso de que tudo mais vá pra pro inferno
O temor disso durar por muito tempo, ser eterno
Eu te digo: tudo acaba! tudo, tudo, tudo, tudo” César Lacerda

O hospício intelectual e a tragédia humana que estamos vivendo não podem nos impedir de sonhar. Deve, sim, haver cartazes coloridos sobre nossas consciências sempre dizendo que neste país é imperativo sonhar, mesmo com o (des)governo e a perda de mais 400 mil brasileiros e brasileiros, sangria desatada essa que acumula recorde todos os dias.

Mas o estado de poesia é uma das singularidades do humano. É o estado de poesia que vive dentro da gente (muito embora por vezes silenciado) que, mesmo diante das adversidades mais abissais, nos possibilita ter esperança de que tudo vai passar, e construir, dede já, a possibilidade do amanhã.

Ainda não é tempo de pensar o que a crise revela. Como será o mundo, o Brasil e a nossa cidade quando tudo isso passar. É tempo de cuidado, muito cuidado. Mas não muito longe não apenas pensam no mundo que virá, mas se preparam para comandar o que será. Se houver uma mesa imaginária para pensar o mundo após a pandemia, o Brasil, pária internacional, não pode nem sonhar em participar, pois estará a cuidar do que não cuidou por um ano: vacina.

Apesar de parecer que nesse país é proibido sonhar e pensar, resistimos. Pensar e sonhar na quebra de dogmas e na emergência de novos paradigmas. O dogma da predominância do sistema financeiro e suas instituições e órgãos (FMI, agências de rating…) sobre as políticas de desenvolvimento dos estados nacionais, ao que tudo indica caiu em descrédito. Assim como o dogma do estado mínimo nas políticas internas.

Novo paradigma na relação entre os países no mundo se impõe, com viés de fortalecimento dos estados nacionais. Da mesma forma, podemos estar diante de um fortalecimento político do estado. Afinal de contas, a busca de soluções para o enfrentamento à pandemia tem sido conduzida por cada país e sob a liderança do estado, seja através de sistemas públicos de saúde (como é o caso do SUS), na adoção de medidas de proteção social e de apoio às empresas. Sem esquecer dos bancos que, no Brasil, receberam quase 200 bilhões com a liberação dos compulsórios pelo Banco Central no início da pandemia.

Se na infância o capitalismo foi transformador, revolucionário, na velhice, tal qual se constituiu, passou a ser um entrave a mudanças, mesmo que seja para se reinventar. Segundo Mangabeira Unger, a sociedade atual é prisioneira das crises para avançar. Nas condições postas, é preciso, primeiro, torcer para que o filósofo esteja certo e, depois, com todas as forças, empurrar e disputar os rumos da possível mudança.

Crise, emergência de novos paradigmas… É preciso romper com dogmas e dar lugar ao estado de poesia, à rebeldia. O futuro não quer mais ser visto e pensado por pessoas apenas razoáveis. É preciso organizar uma vontade coletiva nacional e popular, rebelde em três aspectos.

Na política, está mais do que posta uma mudança na relação entre poderes, instituições e entes da federação. A responsabilidade de prefeitos e governadores, diante da interpretação do Supremo Tribunal Federal concorrente desses entes na definição das medidas de distanciamento social pode e deve ser um avanço a espraiar por outras áreas sem, no entanto, isentar de responsabilidades que são próprias de cada ente e de cada poder. O Congresso Nacional assumiu um papel fundamental e, além de dar segurança política e jurídica, elaborando e aprovando mecanismos fundamentais para o enfretamento à crise, aprovou legislação para modernizar a gestão pública.

Na economia, assistimos o surgimento de iniciativas locais as mais diversas iniciativas isoladas ou em conjunto. Na esfera dos estados, chama atenção o consórcio dos governadores do nordeste que começaram a se organizar para formular e lutar por investimentos na região já em 2019, na pandemia tem atuado em conjunto na busca de vacinas. Da mesma forma, os prefeitos. Iniciativas locais de estados e municípios com auxílios, políticas de recuperação econômica com recursos próprios. Se o receituário neoliberal sempre pregou o dogma da redução do estado, está na ordem do dia elaborar uma economia do setor público (termo emprestado do Professor Juarez Guimarães) onde estados e municípios devem, juntos ou separados, adotar ações para a retomada da economia, a geração de emprego e renda que, de um lado, organizarão as demandas de compras do poder público e das empresas privadas e, do outro lado, organizar pequenos e médios empresários e políticas de desenvolvimento local.

É preciso observar a sociedade que construiu redes de solidariedade para ajudar os mais necessitados; que, com a escassez do emprego e da renda, tem buscado desdobrar para construir alternativas criativas de geração de renda através do comercio virtual, do comercio de rua. São milhões de batalhadores que não podem de forma alguma ser jogados na marginalidade. É preciso mapear as redes de solidariedade e transformá-las em redes de geração e renda, com apoio para organização de arranjos produtivos locais, pequenos e médios empreendimentos individuais ou coletivos.

Não é nada simples, mas, termino lembrando um verso dos Titãs: Às vezes “as ideias estão no chão\você tropeça e acha a solução.”

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