Violência policial na Colômbia gera novas reivindicações

Abusos policiais apenas incentivam mais a revolta popular contra a fome e a covid-19, e uma reforma tributária para proteger ricos e punir os trabalhadores.

Parentes e amigos de Nicolas Guerrero, morto durante confrontos com a tropa de choque em um protesto contra uma proposta de imposto, participam de uma vigília em sua homenagem em Cali, Colômbia, em 3 de maio.

Centenas de manifestantes se reuniram na cidade de Cali, no sudoeste da Colômbia, na noite de segunda-feira, pressionando por justiça econômica no sexto dia de manifestações antigovernamentais. No entanto, a polícia repentinamente abriu fogo, avançando sobre a multidão com escudos de choque e cassetetes. Era possível ver sangue escorrendo das cabeças dos manifestantes.

Os protestos eclodiram em 28 de abril em resposta a uma proposta tributária do governo do presidente Iván Duque e se tornaram marcadamente mais violentos na segunda-feira, com o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos denunciando a polícia nacional por “abrir fogo” contra os manifestantes na terceira maior cidade da Colômbia.

O ombudsman de direitos humanos da Colômbia identificou 18 civis e um policial mortos e 87 desaparecidos nos primeiros cinco dias de protestos, mas ainda não divulgou números sobre a onda de violência de segunda-feira, que alguns na Colômbia estão descrevendo como um “massacre”. A Human Rights Watch disse que confirmou sete mortes desde que os protestos começaram em 28 de abril e está verificando outras 18, incluindo cinco em Cali na noite de segunda-feira.

Os protestos ressaltam o efeito desestabilizador da pandemia, que está causando déficits nos cofres da Colômbia. A tentativa do governo de Duque de preencher esses buracos com novos impostos levou a população a ver como uma forma de proteger os ricos e atingir as classes trabalhadoras. A revolta se deu em meio à extrema desigualdade de renda do país, acentuada ainda mais pela pandemia.

Dados divulgados pela agência nacional de estatística na semana passada mostraram um aumento impulsionado por uma pandemia na taxa de pobreza da Colômbia em 2020, um salto de 6,8 pontos percentuais para 42,5% em relação ao ano anterior. Enquanto isso, o país enfrenta uma terceira onda brutal do coronavírus, com a Colômbia apresentando uma das maiores taxas de infecção e mortalidade do mundo.

Analistas temem que o tipo de protesto testemunhado na Colômbia possa explodir em outros países que enfrentam uma mistura tóxica semelhante de cidadãos frustrados e governos que se esforçaram de menos para combater a pandemia. 

Duque retirou a proposta tributária no domingo e aceitou a renúncia de seu ministro da Fazenda na noite de segunda-feira. Mas os manifestantes responderam redobrando suas demandas, pedindo a retirada de um projeto de lei de saúde, uma renda básica garantida para todos os colombianos e grandes medidas relativa à violência policial.

Uma mobilização dos sindicatos colombianos é esperada na quarta-feira, com as manifestações ecoando os protestos de 2019 no Chile, que começaram em resposta a um aumento na tarifa do transporte coletivo, mas evoluíram para um movimento nacional sustentado por justiça social e econômica.

O escopo dos protestos em andamento é difícil de avaliar. Se eles receberem o tipo de apoio amplo da classe média visto em setembro – quando o assassinato de um motorista de táxi pela polícia gerou protestos em todo o país e um debate sobre a violência policial – analistas dizem que as manifestações podem continuar por dias, semanas ou mais.

Centenas de vídeos com relatos de má conduta policial estão inundando as redes sociais colombianas. Uma parece mostrar um jovem sendo baleado à queima-roupa. Outro mostra transeuntes sendo cercados por caminhões da polícia. Um vídeo gravado na cidade de Manizales, no oeste do país, pretende mostrar a polícia atacando com gás um ônibus cheio de pessoas.

Mesmo sem verificação independente dos vídeos, a situação é grave o suficiente para alarmar os funcionários dos Estados Unidos, da Europa e da ONU, que pediram ao governo colombiano que agisse com moderação.

A polícia antimotim colombiana, conhecida como ESMAD, há muito é acusada de abusos aos direitos humanos e está sendo amplamente responsabilizada pelos supostos abusos durante os protestos em andamento.

Em uma entrevista coletiva nesta terça-feira, o ministro da Defesa, Diego Molano, sugeriu que a maioria dos manifestantes se manifestou pacificamente. Mas ele defendeu o uso da força, alegando que grupos armados e vândalos se infiltraram nos protestos e forçaram a mão da polícia.

O general Jorge Luis Vargas, diretor da polícia nacional da Colômbia, disse que não havia ordem permanente para a polícia atirar, acrescentando que 23 investigações internas foram abertas contra policiais destacados para conter os protestos.

Episódios de pilhagem e desordem acompanharam os protestos. A prefeita de Bogotá, Claudia López, culpou os vândalos por 25% do sistema de transporte de massa da capital estar fora de serviço.

Manifestantes pacíficos, no entanto, têm procurado se distanciar daqueles que cometeram crimes e acusam a polícia de excessos. Segundo relatos, até helicópteros atiravam na multidão, mesmo quando se dispersava pelos bairros.

Na terça-feira, centenas se reuniram em locais onde os manifestantes foram baleados no dia anterior, acendendo velas e colocando fotos dos mortos.

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