Oposição repudia urgência de projeto de privatização dos Correios

Tramitação sem debate é considerada oportunista por aproveitar as restrições da pandemia para vender o patrimônio público

Após defender que a Câmara deveria focar sua atuação no debate de propostas de combate à pandemia de Covid-19, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), resolveu colocar na pauta do Plenário a urgência do Projeto de Lei (PL) 591/21, que autoriza a privatização dos Correios. O tema deve passar pelos senadores antes de ser votado, mas enfrenta forte resistência de parlamentares de Oposição.

Na bancada do PCdoB, deputados prometem lutar contra a medida e condenaram a manobra feita pelo presidente da Casa junto com aliados da base do governo para colocar o tema em pauta. “Fomos surpreendidos. Não houve acordo, conversa ou debate, ao menos com a Oposição, para trazer esse projeto à pauta. Os Correios são uma empresa estratégica, que chega em todos os cantos do país, coisa que o mercado não vai fazer. Esse projeto sequer devia estar tramitando. Esta é uma empresa lucrativa e não deveria sair das mãos do Estado brasileiro. Vamos reforçar nossa luta contra mais este desmonte”, afirmou a deputada Jandira Feghali (RJ).

A privatização dos Correios não terá a digital do PT. A afirmação foi feita pelo líder do PT, deputado Bohn Gass (RS). “Não é razoável que estejamos votando aqui a entrega de patrimônio público, neste período de pandemia, em que estamos sob cadáveres, por causa das mortes que acontecem em função da pandemia”, protestou.

O líder da Minoria, deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), destacou que a importância dos Correios aumentou sobremaneira na pandemia. “O que a gente vê é a tentativa de retirar uma empresa pública da concorrência no mercado. Querem acabar com uma empresa eficiente e com equilíbrio”, acusou.

Apesar da aprovação, alguns parlamentares criticaram o requerimento de urgência e pediram um debate mais amplo sobre o tema. “Não há o entendimento fechado de que há necessidade de tratar esse tema com urgência, principalmente sem um calendário definido”, disse líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL).

Segundo a líder do PSOL, deputada Talíria Petrone (RJ), a proposta não deveria ser prioridade da Câmara neste momento.

“Desde quando se discute a fundo uma matéria aprovando urgência? O debate de mérito se discute nas comissões. No meio de uma pandemia, na maior crise sanitária experimentada pelas gerações vivas, essa Casa vem aqui aprovar urgência para abrir os Correios para o capital privado?”, questionou.

“Absurdo! A Câmara quer pautar em urgência o projeto de privatização dos Correios, empresa fundamental para o Brasil. Não aceitamos! Vamos para a Câmara para impedir esse crime contra o país. Todo apoio aos trabalhadores. Não à privatização”, reiterou o vice-líder da bancada do PCdoB, deputado Orlando Silva (SP).

O deputado Orlando Silva chegou a apresentar um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) na última semana com o objetivo de retirar os Correios do plano de privatizações do governo Bolsonaro. No documento, Orlando afirma que “a privatização da estatal atingirá um setor estratégico do país, além de levar à precarização do serviço à população”.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 21, inciso X, que “compete à União manter o serviço postal”, tratando-se, pois, de competência material exclusiva, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido na ADPF nº 46, que tal serviço público deve ser “prestado em regime de privilégio exclusivo (“monopólio”) através dos Correios”.

Para o deputado Daniel Almeida (BA), este é mais um ataque do governo Bolsonaro, “que segue com sua sanha privatista”. “Vamos votar contra esse absurdo, e precisamos de ampla mobilização popular. A desconstrução de uma empresa de serviço postal, secular, que é a cara do Brasil, que possui milhares de trabalhadores, está a serviço de quem?”, destacou o parlamentar.

Almeida, que foi um dos responsáveis pela criação de uma frente parlamentar em defesa da estatal, afirma que é preciso levantar a voz novamente para impedir que Bolsonaro entregue tudo à iniciativa privada.

“É o intento deste governo há tempos entregar tudo à iniciativa privada, mas os trabalhadores têm respondido com resistência, pois sabem que os Correios fazem parte da identidade nacional. Isso é inaceitável, antinacional. Os Correios são necessários para o Brasil. Este tipo de proposta não pode passar no Parlamento”, defendeu.

A deputada Alice Portugal (BA) reiterou a luta da bancada contra a votação da proposta. “Vamos pressionar para evitar a privatização dos Correios.”

Da parte dos partidos governistas, vários partidos optaram por liberar o voto dos deputados diante da controvérsia. O deputado Edio Lopes (PL-RR), por exemplo, afirmou que o PL foi favorável à urgência mas não tem acordo sobre o tema do projeto.

Relator da proposta, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA) disse que vai conversar com todos os atores envolvidos e estabelecer amplo diálogo para construir um texto novo. Ele disse que é preciso modernizar a administração pública no contexto de aumento de gastos públicos.

Lesa-pátria

Qualquer grande mudança na empresa vai afetar diretamente mais de cem mil trabalhadores. O impacto é particularmente grave, segundo a oposição, devido ao desemprego e perda de renda causada às famílias pela pandemia.

Os Correios é uma das empresas mais antigas do Brasil, considera em pesquisa de opinião como a mais querida. Ela tem uma capilaridade em mais de 5.500 municípios, a totalidade do país, o que democratiza o acesso ao serviço, mesmo em regiões remotas. Com isso, as agências dos Correios acabam sendo um dos principais serviços públicos de algumas localidades, garantindo até mesmo serviço de banco postal onde não há bancos. Mesmo o Banco do Brasil, que tem a maior capilaridade do país, começa a fechar agências, deixando de cumprir seu papel social para aumentar lucros.

A estatal é lucrativa, como revela o resultado de R$ 1,5 bilhão em 2020. Em vez desse lucro contribuir para modernizar ainda mais as atividades dos Correios, será um forte argumento para a venda.

Mais de 80% dos países têm serviços nacionais de correio, por considerarem a atividade estratégica para a segurança nacional. A empresa ainda é responsável por gigantescos sistemas de entrega de vacinas e medicamentos, por exemplo, para todo o país.

O projeto

A aprovação adianta a tramitação da proposta, fazendo com que ela possa ser votada diretamente no plenário, sem a necessidade de passar por comissões.

O texto enviado pelo governo autoriza o Executivo a transformar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), hoje 100% estatal, em uma sociedade de economia mista, vinculada ao Ministério das Comunicações e chamada “Correios do Brasil S.A – Correios”, com sede no Distrito Federal.

Ainda segundo a proposta, a Anatel passará a ser chamada de Agência Nacional de Telecomunicações e Serviços Postais e se tornará responsável por regulamentar os dois setores.

“Precisamos discutir esse tema não só para melhorar o serviço como também para enfrentar o problema fiscal, que deve ser endereçado quando debatemos todas as empresas públicas do Brasil”, disse.

Prioridade para o governo

O governo afirma que, enquanto o texto tramita no Congresso, fará estudos para encontrar a melhor forma de privatizar a empresa: venda direta, venda do controle majoritário ou abertura no mercado de ações, por exemplo.

Segundo a área econômica, o processo de modelagem da venda da empresa estatal está previsto para ser concluído em agosto de 2021, mas depende da aprovação do projeto no Congresso. A proposta escolhida ainda precisará do aval do Tribunal de Contas da União (TCU).

A privatização dos Correios é uma das prioridades do Ministério da Economia. A estatal acumulou prejuízo de R$ 3,943 bilhões entre 2013 e 2016, mas desde 2017 vem registrando resultados positivos nos balanços anuais.