Obrigado por tudo, viu Gilmar de Carvalho!

Gilmar não era só um pesquisador em busca de fontes para seu trabalho acadêmico. Ele se tornava um amigo terno e cuidadoso para a vida inteira de muitos mestres e mestras da cultura que encontrou ao longo de sua vida tão intensa e bonita

Gilmar de Carvalho ao lado de Fabiano dos Santos Piúba secretário de Cultura do Ceará

A partida do professor Gilmar de Carvalho é uma perda incomensurável para o Ceará. O Gilmar doou toda sua inteligência e atuação acadêmica e política para o Ceará. Para um Ceará que brota debaixo do chão e flora com a cultura de sua gente. Assim foi como professor, pesquisador, jornalista, escritor, curador.

Gilmar sempre estava desenvolvendo algum projeto. Um livro, uma exposição, um seminário, um museu, uma curadoria, uma pesquisa. Nada era para ele. Todos os seus projetos acadêmicos e artísticos tinham um caráter social e coletivo. Sempre voltado para reconhecer, valorizar, promover os saberes e fazeres, as artes e ofícios dos mestres e metras da cultura popular e tradicional.

Sim, tal como um São Francisco, Gilmar fez sua opção em conviver com os saberes e os lugares dessas pessoas simples por entre as veredas do sertão cearense e nordestino. Gente humilde de uma riqueza milenar que se reinventa o tempo todo. Era isso que animava o Gilmar em sua busca incessante no encontro com a cultura popular. Diria que uma busca também espiritual e de amizade onde ele também de reinventava e ganhava energia para sua luta.

Gilmar não era só um pesquisador em busca de fontes para seu trabalho acadêmico. Ele se tornava um amigo terno e cuidadoso para a vida inteira de muitos mestres e mestras da cultura que encontrou ao longo de sua vida tão intensa e bonita. Assim ele foi com Patativa do Assaré: um amigo, um cúmplice, um parceiro, um editor, um irmão. Assim foi também com cada rabequeiro, cordelista, xilogravurista, violeiro, aboiador, louceira, artesão e brincante do reisado, do maracatu, do pastoril, do coco.

Em nossa gestão na Secult, tocamos alguns projetos com o Gilmar de Carvalho. Quase todos os dias ele passava pela Ascom/Secult ou pelo gabinete para trocarmos utopias e projetos. A mostra anual de rabequeiros no Cineteatro São Luiz é um deles. Mas foi a publicação do livro de Patativa que mais nos mobilizou. O livro “O melhor do Patativa do Assaré” foi editado pelas Secretarias da Cultura e da Educação do Estado do Ceará em parceria com a Fundação Instituto Patativa do Assaré e organizado pelo professor Gilmar de Carvalho. A obra reúne um conjunto de poemas que foi escolhido pelo Gilmar em escutas e conversas com o próprio Patativa para composição da antologia. O resultado é um livro organizado não apenas com a autorização formal de Patativa do Assaré. Trata-se, de um livro organizado pelos dois: o editor e o poeta. Gilmar e eu acalentávamos um sonho de fazer chegar a todas as escolas a obra de nosso poeta maior. Conseguimos amigo! Agora vamos dar sequência na etapa de formação de professores para difusão da obra literária do Patativa em todas as escolas públicas do ensino médio do estado.

Recordo que o lançamento do livro ocorreu em uma data muito especial no Memorial que leva o nome do Poeta em sua cidade natal. Lançamos o livro no dia 05 de março de 2020, data de nascimento do poeta, ocasião em que Gilmar recebeu a Comenda Patativa do Assaré das mãos da vice-governadora do Estado do Ceará, professora Izolda Cela. Uma Comenda instituída e sancionada por lei pelo governador Camilo Santana.

Nos últimos dois anos, vínhamos conversando com o Gilmar sobre a implantação do Museu de Arte Popular dos Mestres e Mestras da Cultura do Ceará que vamos instalar no museu desativado da Emcetur. O Gilmar tinha sido convidado para ser o curador e pensar conosco o projeto museológico. Este museu é uma luta dele e será também um legado seu.

Mas no campo pessoal, perdi um grande amigo. Um professor que conheci aos meus vinte e poucos anos e que, certa vez, saiu em minha defesa num dia de entrevero inusitado numa programação cultural lá pelos idos dos anos 1990 na UFC. Veio conversar comigo, deu-me uns conselhos para que eu acreditasse na minha capacidade crítica e criativa. E foi assim que nos tornamos amigos. Além disso, ele era um grande amigo da Luiza de Teodoro, minha mestra, amiga e um amor na minha vida. Depois nos encontramos em São Paulo quando fui fazer meu mestrado em História na PUC e tive a alegria de assistir a defesa de sua tese de doutorado nessa mesma universidade. Tornei-me leitor de suas obras acadêmicas e literárias. Então, para mim foi uma alegria imensa quando ele escreveu a apresentação para o meu livro “Patativa do Assaré – o poeta passarinho” com ilustrações de Mariza Viana, publicado em 2004 e adotado pelo PNBE do MEC em 2006.

O fato é que o Ceará perde uma pessoa que fez muito por nosso estado e pelos cearenses. Que dedicou sua inteligência e sua criatividade crítica para o Ceará. Mas eu perdi um amigo afetuoso e vizinho querido da Maraponga. Por isso choro com sua partida. Choro pela lembrança daquela manhã em minha juventude universitária em que ele me aconselhou e choro porque vamos tocar o projeto do Museu de Arte Popular dos Mestres e Mestras da Cultura do Ceará sem a sua presença física.

Hoje é um dia triste para muitos amigos e amigas do Gilmar, do Gil, do professor, do doutor, do mestre, do parceiro, do companheiro, do camarada Gilmar de Carvalho. Mas é também um dia para celebração de sua vida, memória e toda sua obra. Um dia para a gente agradecer, agradecer, agradecer por tudo que ele fez, o que deixa como legado e como inspiração para gente seguir na luta por um mundo mais justo e democrático.

Siga seu caminho de luz, amigo! Você também é um passarinho!

Obrigado por tudo, viu!

Abraço terno,

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