Jornal francês destaca tragédia da covid no Brasil e alerta mundial

Edição de 15 de abril do jornal Libération traz amplo painel sobre a situação da pandemia no Brasil de Bolsonaro, comparando a tragédia a um “looping” de 11 de setembro de 2001, com 25 acidentes aéreos por dia.

Editorial do Libération destaca responsabilidade do negacionismo do presidente Bolsonaro para a tragédia descontrolada da pandemia no Brasil.

O tradicional jornal francês Libération traz na capa desta quinta-feira (15), uma suíte de reportagens que parte do editorial por Dov Alfon, passando por entrevista com o neurocientista Miguel Nicolelis, para analisar o impacto que o descontrole pandêmico no Brasil pode afetar a Europa. As reportagens têm causado furor entre autoridades francesas e europeias que começam a reagir para se proteger da ameaça que o Brasil passou a representar para as fronteiras internacionais.

Para a correspondente francesa em São Paulo, Chantal Reyes, o Brasil vive “um colapso sanitário sem precedentes”. “O equivalente ao 11 de setembro, ou mesmo 25 acidentes aéreos por dia”, compara ela, salientando que o país continua afundando na crise com o surgimento da variante P1 e a “gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro”.

Libération de 15 de abril de 2021: A tragédia brasileira da covid

Chantal destaca a virulência do contágio, em que a covid matou mais brasileiros no mês passado (mais de 66.000) do que em 109 países juntos desde o início da pandemia. Alerta para os alarmes dados por cientistas para um abril de 5 mil mortes por dia, patamar jamais alcançado pelos EUA, país com os piores índices. “O nível diário de mortes agora é incomparável no mundo”, diz ela.

Após o painel geral, uma retranca destaca a situação de Araraquara, no interior de São Paulo, que promoveu um dos poucos lockdowns mais rigorosos para interromper a circulação do vírus e sua variante P1 que já havia chegado à cidade. Com entrevista com Edinho Silva, prefeito petista da cidade, a reportagem diz que a cidade começa a “saborear” a vitória sobre o vírus.

A entrevista principal da suíte, por Julien Lecot, é com o neurocientista brasileiro, lecionando na Duke University, nos Estados Unidos, Miguel Nicolelis, apresentado como “uma das vozes mais fortes no Brasil”. Sob o título “A pandemia não será controlada no mundo se não for no Brasil”, o cientista alerta para o fato do país se tornar “um ninho de variantes”, se nada for feito para conter a progressão da pandemia.

Ele fala da dificuldade da ciência brasileira dialogar com a política, que só ouve os lobbies econômicos. Termina alertando para o colapso funerário que começa a se anunciar, o que pode gerar problemas sanitários graves conforme não seja possível enterrar os corpos de forma adequada.

A publicação traz ainda uma análise sobre como a França está controlando a entrada da “variante brasileira” no país. Considera que a interrupção de voos é insuficiente, conforme os países latino-americanos vão se infectando com as variantes brasileiras que continuarão surgindo.

A edição culmina com o editorial “Atrás do desastre brasileiro, a sombra de Bolsonaro” que Alfon diz nada ter feito para conter a epidemia. Ele lembra que até poucos meses atrás, Bolsonaro relativizava a pandemia, depois ridicularizou como “maricas” os portadores de máscara, e finalmente duvidou da urgência da vacinação. “E 358.000 mortes depois, é tarde demais: o Brasil se tornou um pária em nível global”, diz o editorialista.

O principal do texto é que o Brasil não pode ser abandonado sozinho nessa crise, conforme se torna um problema para toda a comunidade internacional, parafraseando Nicolelis. Para Alfon, o “amigo com tendências suicidas” precisa ser tratado com firmeza. “O país certamente tem potencial para sair disso, com sua história heróica e um dos melhores sistemas de saúde do mundo”, afirmou.

Sepulturas verticais no cemitério do Parque Tarumã em Manaus em 20 de janeiro. (Tommaso Protti / Libertação)

Leia o editorial:

Atrás do desastre brasileiro, a sombra de Bolsonaro

O presidente, a personificação extrema do populismo de direita, nada fez para conter a epidemia

Então é isso, uma epidemia fora de controle: 4.000 mortes por dia; hospitais à beira do colapso; o maior número de mortes no mundo nesta semana, três vezes mais do que nos Estados Unidos; e como um acidente nuclear que causa reações descontroladas, uma cadeia de mutações de um vírus que poderia resistir às vacinas, que de qualquer forma são inacessíveis à população em geral. 

Por trás do desastre nacional no Brasil, está um homem, seu presidente eleito Jair Bolsonaro, personificação extrema do populismo de direita que consistia até poucos meses atrás em relativizar a pandemia Covid-19, depois em ridicularizar os portadores de máscara, e finalmente duvidar da urgência da vacinação. E 358.000 mortes depois, é tarde demais: o Brasil se tornou um pária em nível global.

Depois de tentar ignorar o nervosismo dos franceses diante dos perigos da variante brasileira, pelo menos a que se conhece até agora, o primeiro-ministro, Jean Castex, teve que anunciar esta semana à Assembleia Nacional a suspensão do voos entre França e Brasil. É uma decisão totalmente justificada, mas não pode ser suficiente. 

Na verdade, deixar o Brasil sozinho para enfrentar seu destino não é uma opção real. “Hoje, o Brasil não é mais apenas uma ameaça para os brasileiros: tornou-se um problema para toda a comunidade internacional”, explica o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis. Isso porque, em sua opinião, “a pandemia não será controlada no mundo se for não está no Brasil”. O país certamente tem potencial para sair disso, com sua história heróica e um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Então, como você ajuda um amigo com tendências suicidas? Com paciência, sem dúvida, mas também com muita firmeza.

Leia o original aqui

Leia a entrevista de Nicolelis aqui.