O mea culpa que falta aos meios de comunicação, por Vanessa Grazziotin

Apesar de citar os inaceitáveis ataques misóginos sofridos pela ex-presidenta Dilma Rousseff, a ex-senadora diz que editorial da Folha de S.Paulo peca profundamente quando ele próprio procura apresentar justificativas e razões para tais agressões

Dilma Rousseff - Foto: Ricardo Stuckert

No editorial do jornal Folha de S. Paulo de sábado (3) com o título Mulheres para trás: baixa participação feminina na política derruba o Brasil em ranking de igualdade de gênero, o periódico procura enfrentar a questão das desigualdades de gênero no Brasil.

Reconhece acertadamente os retrocessos registrados em nosso país quanto à participação das mulheres nos espaços de poder, sobretudo na política. Reconhece, da mesma forma, os retrocessos institucionais quanto à busca da equidade entre os gêneros.

Reconhece finalmente que tais retrocessos ocorreram principalmente nos governos que sucederam Dilma Rousseff (PT), ou seja, nas gestões de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido).

Apesar de citar os inaceitáveis ataques misóginos sofridos pela presidenta Dilma, o editorial peca profundamente quando ele próprio procura apresentar justificativas e razões para tais agressões.

Como se fosse possível justificar qualquer forma de violência e de agressão contra quem quer que seja. Não! Não é possível!

O jornal, voluntariamente ou não, acabou por repetir aquela velha e lamentável máxima que prevalece nas sociedades machistas, onde a culpa é sempre da mulher, dizem “mas, o que ela estava fazendo sozinha na rua tão tarde da noite“ ou “quem mandou usar aquela saia curta”.

O periódico, de uma outra forma, faz o mesmo quando “justifica” que foi por conta da forma de governar de Dilma, por conta de sua política econômica, para qual se refere como uma “desastrosa condução econômica” (opinião da qual discordo profundamente) que Dilma sofreu os inúmeros e inaceitáveis ataques e violências.

Não! Não foi por sua forma de governar que a presidenta sofreu tantos ataques, foi pelo fato de ser mulher. Somente por ser mulher.

Quem não lembra das tantas capas das revistas de circulação nacional durante o golpe? Que estampavam as piores fotos de Dilma com os títulos mais ofensivos, como “As explosões nervosas da presidente” ou “Uma presidente fora de si”, entre tantos outros.

Tratavam a presidenta como uma pessoa “desequilibrada”. Um homem jamais sofrera ou sofrerá esse tipo de agressão, pelo contrário, sempre foram e serão vinculados à força, à coragem, ao poder e à determinação.

Quanto aos retrocessos impostos às mulheres no Brasil do pós-golpe, precisamos lembrar as duras críticas feitas, inclusive pelos meios de comunicação, tanto a Lula, quanto a Dilma, em relação às políticas afirmativas adotadas em seus governos, políticas que seguiam inclusive diretrizes de organismos internacionais, e que garantiram às negras e aos negros no Brasil ingressarem nas universidades, as mulheres acessarem mais direitos, incluindo o título da sua própria casa, aos ribeirinhos da Amazônia terem acesso à energia elétrica e aos municípios isolados contarem com universidades públicas.

Criticavam as cotas raciais e de gênero principalmente, e faziam, como fazem hoje, apologia à “meritocracia“.

O editorial, portanto, que se propôs a analisar dados concretos e objetivos, que retratam os retrocessos do Brasil diante do mundo, nas questões de gênero e no maior empobrecimento das mulheres, deveria, para ser honesto consigo mesmo e com seus eleitores, fazer como fez Becky S. Korich, em artigo publicado na última sexta-feira, dia 02, no próprio jornal Folha de São Paulo, cujo título era “Mea-culpa” e onde a autora faz uma profunda autocrítica sobre o voto em Bolsonaro nas eleições de 2018!

Quem sabe um dia ainda não veremos a mesma autocrítica por parte dos meios de comunicação? Inclusive em relação ao golpe de 2016? Quem sabe?

Autor