Mourão reafirma a tutela militar, mas se afasta da aventura bolsonarista

Os brasileiros esperam que Forças Armadas possibilite ao país um sistema de defesa verdadeiramente nacional, profissional, digno, moderno e eficiente e esvaziem o apoio e sustentação ao pior governo de nossa história

Edição sobre foto de Carolina Antunes/PR

O desgoverno Bolsonaro é um desastre. Principal responsável pela maior tragédia de saúde da história do país. Um governo de desconstrução nacional que levou o Brasil à condição de pária internacional.

A recente demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, Exército e da Aeronáutica, na quarta-feira (30), abriu uma nova crise. Os militares demitidos saíram de seus cargos reafirmando princípios constitucionais, de que as Forças Armadas são instrumento legal de defesa do Estado, e não de um governo, como tenta insinuar em suas intempestivas declarações e atos, o presidente Bolsonaro. O vice-presidente Mourão declarou na ocasião: “Pode botar quem quiser. As Forças Armadas vão se pautar pela legalidade, sempre”. O sinal de alerta tocou nos setores democráticos e nas instituições.

A falácia da missão redentora

O general Mourão publicou, na terça-feira (6),  artigo no jornal O Estado de São Paulo (“O que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas”) onde afirma que o golpe instalado em 1964 “fortaleceu a representação política pela legislação eleitoral”, e que “deu coerência à União e afastou os militares da política”. O mínimo conhecimento da história desmente tais afirmativas.

O regime militar cassou mandatos, colocou partidos na ilegalidade, prendeu, torturou, matou, interveio nas organizações sociais e implantou um Estado policial, onde os militares governavam através de ordens do dia.

No artigo, o vice-presidente Mourão afirma ainda que os brasileiros devem se preocupar sim, com as ações das Forças Armadas pois “a sua segurança e, em última instância, a garantia da lei e da ordem dependem delas (…)”.

As Forças Armadas, que são instituições de Estado e têm o dever constitucional de defesa da nação contra agressão externa, conseguiram na Assembleia Constituinte, com o artigo 142 da Constituição Federal, uma abertura para se manterem como tutores do país e da constitucionalidade, supostos garantidores da “lei e da ordem”, conforme suas visões de mundo e seus estereótipos.

Além de atribuir aos militares esta missão redentora, não comprovada pela nossa história, justificam as interrupções no estado democrático de direito e a implantação de regimes autoritários, coincidentemente contra os interesses nacionais e de acordo com interesses do capital internacional.

Ao caracterizar a crise atual do país devido à postergação de reformas imprescindíveis, pelo desvirtuamento da administração pública, atingida em cheio pela corrupção e pelo clientelismo político, e por uma máquina administrativa aparelhada pela política partidária e ideológica, o general Mourão conclui erradamente que os militares foram chamados “para dar racionalidade, eficiência e moralidade à administração pública e com a sua competência profissional e dedicação soerguerem o país”. Uma afirmação que não resiste aos fatos. 

Quanto à política de ocupação e aparelhamento da máquina administrativa federal, ela se encontra ocupada por cerca de 6.157 militares da ativa e reserva, pelo olavismo ideológico militante, e secundariamente por segmentos políticos que estes dois setores tachavam de representantes da velha política e lhe conferiam os atributos de clientelistas e corruptos.

Mais uma vez revela-se o “narcisismo fardado”, ao atribuir à sociedade civil a incapacidade de se autogovernar. Ao dizer que nenhuma democracia está livre de crises e os seus militares cumprem o seu dever, omite no caso brasileiro o papel das próprias Forças Armadas nas crises criadas ao longo da nossa história e particularmente neste momento, quando temos cerca de 4 mil brasileiros e brasileiras mortos por dia.

Para nos atermos aos mais recentes episódios de interferência inoportuna e antidemocrática no destino político do país, basta citarmos o episódio do dia  02 de abril de 2018, quando o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, admoestou seus pares e o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), para que fosse vetada a liberdade de Lula, então o mais forte candidato à presidência da República. Lula foi preso e Bolsonaro se elegeu.

O embuste da logística na saúde

Quanto à aludida competência dos militares no poder, o próprio Bolsonaro se encarregou de mostrar ao país, perigosa e mortalmente, sua ineficácia para exercer cargos administrativos na República. Ele demitiu seguidamente dois médicos do Ministério da Saúde, até chegar à nomeação do “especialista em logística”, o malfadado general Pazuello, que se revelou um embuste mortal. O Brasil chora hoje mais de 340 mil mortos.  

Pazuello praticou erros em série que levaram o país a beirar o colapso no sistema de saúde. Colocou em prática o discurso genocida do capitão. Defendeu e lançou protocolo de tratamento precoce com medicamentos desaprovados em todo o mundo. Fez ouvidos de mercador, quando ignorou pedidos de socorro de Manaus por falta de oxigênio nos hospitais. O colapso e a omissão federal no Amazonas foram manchete mundial.

Pazuello recusou em 2020 oferta de milhões de vacinas da Pfizer e prosseguiu executando as ordens emanadas por Bolsonaro. Condenou e não comprou no tempo devido a chinesa Coronavac, apostando apenas em uma única opção, a vacina de Oxford. A falta de vacinas é neste momento a maior responsável por nosso baixo índice de imunização da população, com seguidos e lastimáveis recordes mundiais de mortos pelo vírus.

Quanto à alardeada “moralidade e o combate à corrupção”, fica bem implícito que este governo caminha em direção oposta. A prova está no atual silêncio dos militares quanto às dezenas de denúncias de corrupção da família Bolsonaro, vide o uso de avião da FAB para o tráfico internacional de drogas, às fortes evidências das ligações do bolsonarismo com as milícias urbanas e às denúncias de compras superfaturadas nas próprias Forças Armadas.

Vice-presidente marca posição contra golpismo

O que fica bem explícito no artigo do vice-presidenre Mourão é o seu recado para o Capitão Cloroquina, responsável por um governo da fome e da morte, que diante dos fracassos e péssima avaliação do seu governo tenta um rompimento institucional. Diz ele: “Nas democracias, as ordens são legais e emitidas por quem de direito, sendo integralmente cumpridas na forma da lei. Fora disso, transita-se perigosamente entre a desordem e o autoritarismo. Políticos e soldados profissionais das grandes democracias já sabem disso”.

O vice-presidente termina por elogiar a atitude legalista dos militares norte-americanos, que garantiram a posse do presidente Biden, eleito democraticamente, contra as tentativas de Trump, líder intelectual de Bolsonaro, em desestabilizar a democracia dos EUA, incitando os tumultos que atingiram o Capitólio, em Washington.

Registra-se assim uma forte mensagem de apoio aos militares demitidos e ao corpo de oficiais das três armas e às suas posições de afastar as Forças Armadas do cotidiano da política de governo, ampliando o isolamento do Capitão Cloroquina.

Diante destes fatos, vice-presidente General Mourão, o que os brasileiros esperam de suas Forças Armadas é que nos possibilite um sistema de defesa verdadeiramente nacional, profissional, digno, moderno e eficiente e esvaziem o apoio e sustentação ao pior governo da história do país. Este nível de comprometimento dos militares com o governo Bolsonaro é danoso para o Brasil e sua democracia.

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