Sob protesto, Câmara abre porteira para empresários furarem fila da vacina

Deputados denunciam que privatizar a vacinação não vai resolver o problema da falta de imunizantes, que foi provocada pela sabotagem de Bolsonaro ao Programa Nacional de Imunizações

Plenário da Câmara dos Deputados - Foto: Najara Araújo

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (6) o texto-base do Projeto de Lei 948/21, que permite às empresas privadas a compra e aplicação de vacinas contra a Covid-19 destinadas à imunização gratuita de seus empregados. Foram 317 votos favoráveis; 120 contrários; e duas abstenções.

Segundo o substitutivo da deputada Celina Leão (PP-DF), poderão ser compradas vacinas autorizadas pela Anvisa bem como aprovadas pelas autoridades sanitárias estrangeiras reconhecidas e certificadas pela Organização Mundial da Saúde. Ou seja, o setor privado poderá adquirir doses que ainda não tiveram autorização de uso definitivo ou emergencial no país.

Atualmente, uma lei aprovada pelo Congresso estabelece que empresas privadas podem comprar vacinas, desde que doem para o Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto os grupos prioritários não forem vacinados. Somente depois disso, poderiam usar 50% das suas compras em seus funcionários e doar os outros 50% para o SUS.

Com a proposta aprovada, o empresário também deverá doar ao SUS a mesma quantidade de doses compradas para a imunização direta de seus funcionários.

O líder do PCdoB na Câmara, deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE), avaliou que a proposta vai estabelecer um mercado paralelo, causando prejuízo às pessoas que têm prioridade para serem vacinadas. Ele destacou que as maiores economias do mundo, como os Estados Unidos, impedem a compra pelo setor privado. “Se abrirmos agora para que as empresas comprem vacina, elas irão de maneira agressiva ao mercado, e o setor público será desabastecido”, disse.

Calheiros observou que, se o país está enfrentando dificuldades no âmbito do Programa Nacional de Imunizações (PNI), isso é resultado da política negacionista do presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou as iniciativas que o Ministério da Saúde tentou adotar no ano passado para a contratação de vacinas.

“Agora, deixou-nos diante dessa situação. A população está aflita. São quase 4 mil pessoas morrendo todos os dias. As pessoas estão desesperadas atrás de vacina. Mas esse projeto, no meu entender, não vem com o objetivo de beneficiar o Plano Nacional de Imunização. Ao contrário, ele o prejudica”, afirmou o parlamentar.

Polêmica

De acordo com o texto da relatora, a permissão para compra de imunizantes também se estende às pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, como associações e sindicatos.

Os partidos de oposição obstruíram os trabalhos, denunciando que a liberação da compra e aplicação de vacinas por empresas privadas pode provocar ainda uma inversão da prioridade dos laboratórios na comercialização dos imunizantes em prejuízo do setor público. Outra crítica é a possibilitar aberta para que sejam vacinadas pessoas que não estão dentro das prioridades do PNI, que não vão cumprir os critérios epidemiológicos.

A vice-líder do PCdoB, deputada Perpétua Almeida (AC), disse que a vacinação no Brasil caminha a passos lentos porque Bolsonaro “não cumpriu com a parte dele de comprar vacinas a tempo”. “Aliás, recusou 80 milhões de vacinas no ano passado, ou seja, a população já poderia estar sendo vacinada, desde dezembro”, lembrou.

Perpétua alertou que o projeto vai além da simples autorização para o setor privado comprar vacinas, coisa que o legislativo já aprovou. “O que nós estamos discutindo, aqui, é se a vacina comprada pelos empresários vai entrar na fila do SUS ou se vai haver fura-fila”, denunciou.

O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) reforçou que o projeto vai, efetivamente, burlar as prioridades definidas por critérios científicos, para criar privilégios aos que têm poder econômico e podem comprar os imunizantes.

“O governo Bolsonaro não tem plano para enfrentar a covid e tem sabotado de todas as formas. Tem sabotado, inclusive, a aquisição de vacinas. Ainda hoje fez mais um gesto nesse sentido ao sabotar o contrato feito pelo consórcio do Nordeste para comprar a vacina Sputnik, interferindo para que esta vacina não chegue. E agora quer incentivar o fura-fila”, assinalou o parlamentar.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também se manifestou contra o projeto. “O problema não está em apenas o setor privado comprar, o problema é que todos afirmam que não existe vacina. O nosso problema é ter vacina para o SUS, para o Programa Nacional de Imunização. Nós temos vacinas de menos e uma das razões é que o governo não as comprou quando deveria ter comprado”, frisou.

Já o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) apontou que a Câmara dos Deputados se coloca de costas para o povo ao aprovar a proposta. “Aprovar esse fura-fila da vacina para a Covid-19 é aderir ao ‘salve-se quem puder’. O povo precisa de acolhimento, de vacina. Precisa de cuidados, de orientação. O governo não faz nada disso, e a Câmara deveria aprovar o auxílio emergencial na dimensão necessária para o nosso povo, deveria decretar lockdown. Só o lockdown pode impedir a expansão desse vírus na proporção que ele alcançou”, ressaltou.

Para a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), o parlamento não pode “confiar uma tarefa eminentemente do setor público e do SUS, para que o segmento privado a realize”.

“Nós precisamos entender que essa é uma tarefa do SUS e que fortalecer o SUS é uma obrigação de todos nós. Nós precisamos de mais vacinas, comprar mais vacinas, municiar estado e municípios, e evidentemente auditar porque isso é da natureza do SUS, mas, sem dúvida alguma, precisamos entender que essa tarefa é uma tarefa pública. Os cientistas têm dito com clareza que teremos um abril e um maio muito triste no Brasil. É preciso apertar as medidas de distanciamento social”, pontuou.

A deputada Natália Bonavides (PT-RN) diz que a provação da matéria foi um escárnio. “Aprovaram o fura-fila, o camarote das vacinas. Fizeram isso no dia em que o país registrou mais de 4 mil mortes. São os neoliberais mostrando que não há limites para o cada um por si. Auxílio de fome, vacina pra quem tem dinheiro”, protestou.

A líder do PSOL na Casa, Talíria Petrone (RJ), afirmou que qualquer vacina que for comprada pelo setor privado é vacina a menos disponível para o público, correndo risco de faltar vacinas para as pessoas mais vulneráveis. “A ordem da vacinação importa e muito, porque salva vidas!”, criticou.

A líder da Rede, Joenia Wapichana (RR), disse que o projeto não irá aliviar a fila de vacinação do SUS. “Setor público e privado passariam a disputar a produção mundial de vacinas, gerando aumento de preços e permitindo um verdadeiro fura-fila de quem tem mais dinheiro. A vacina precisa alcançar a população de forma gratuita pelo SUS!”, exigiu.

“Não se dá nome bonito pra coisa feia. O que a Câmara aprovou foi um NOJENTO privilégio para os ricos: eles vão se vacinar antes de quem não tem dinheiro”, rechaçou o líder do PT, Bohn Gass (RS).

O líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), também protestou no Twitter: “Vacina é para todos, não para poucos privilegiados! Para acabar com esse genocídio, só #VacinaParaTodosJa e #ForaBolsonaro #turmaboa.”

Já o líder do PSB, Danilo Cabral (PE), ressaltou que enquanto no Congresso Nacional tem gente defendendo que empresários possam comprar vacina, sem autorização da Anvisa, para furar fila do SUS, 12 governadores aguardam a mesma Anvisa autorizar a compra de 40 milhões de doses da Rússia para o Plano Nacional Imunização.

Fonte: Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados